Em uma versão atual alternativa de Oakland, o atendente de telemarketing Cassius Green (Lakeith Stanfield) descobre uma chave mágica para o sucesso profissional - o que o impulsiona a um universo macabro. (Fonte)
O ano é 2018. Get Out saiu no ano passado e mexeu com o paradigma do que o cinema essencialmente negro pode fazer no mainstream quando escancara os privilégios brancos para o público geral. As premiações vieram, e Jordan Peele foi de comediante da Comedy Central a grande produtor e diretor de Hollywood. A pressão para “o próximo Get Out” era grande, e muita gente esperava de Spike Lee essa nova obra subversiva.
No entanto (mesmo Infiltrado na Klan sendo um filme genial) esse novo filme saiu das mãos do Rapper Boots Riley. Em seu primeiro filme, o diretor americano conseguiu expandir sobre as ideias de um cinema anti-establishment na América pós-Trump, em uma obra-prima que explora ideias de identidade de raça, relações de trabalho, televisão, capitalismo, natureza de propaganda e insurreição em uma embalagem surreal e sátira que nunca deixa de surpreender e entreter.
Sorry To Bother You segue a história de Cassius Green, um jovem desempregado que consegue um emprego em telemarketing. O filme não economiza em sua linguagem para nos mostrar os aspectos mais opressores de seu mundo fantástico: o desemprego está fora de controle, há muitas pessoas sem teto e sem dinheiro algum. Na TV, todos assistem um programa chamado “I’ve Got The Shit Kicked Out Of Me!”, e há uma nova empresa que oferece trabalho vitalício em troca de moradia, a Worry Free (trazud para algo como Sem Preocupação).
A primeira metade do filme é extremamente densa, pois há muito para se entender sobre o mundo fantástico criado por Boot Riley. A exploração corporativa e midiática são as coisas mais óbvias, mas os pequenos e hilários detalhes servem para criar uma atmosfera que, mesmo surreal, é verossímil.
Quando Cassius aprende a usar a sua “voz branca”, a trama começa a andar um pouco mais rápido. É só então que muitos dos temas que são a mensagem do filme começam a vir à tona. Isso é algo que atrapalha um pouco o filme: há muitas mensagens para decifrar na primeira metade do filme. Mas nada disso atrapalha a segunda metade, que não deixa nada sem resolução pelo final.
Mesmo usando sua filosofia densa como seu principal atrativo, Sorry To Bother You é uma comédia hilária, que não deixa de entreter, mesmo em seus momentos mais politizados. Circulando entre o surreal, o pastelão e a sátira, as piadas do filme nunca ficam cansativas: essa é uma comédia onde nunca se sabe o que esperar, o tom é inconsistente no melhor sentido possível.
Lakeith Stanfield como Cassius Green e Tessa Thompson como Detroit estão ótimos, como dois jovens com ambições e personalidades próprias muito bem desenvolvidas. Todos os papéis são bem dirigidos e cheios de vida: os chefes da empresa de telemarketing parecem não tomar banho há dias; uma gerente nova quer parecer ser amigável; o CEO da Worry Free é um ricaço de chinelo, etc.
Seria muito fácil para um filme como esse ruir sob o próprio peso: com sua mensagem densa, personagens coloridos, mundo surreal e um budget apertadíssimo (menos de 3,5 milhões USD). Mas o roteiro criativo de Riley mantém todas essas peças juntas com graciosidade, sabendo exatamente quando desacelerar a trama para desenvolver os personagens, ou quando começar a vomitar reviravoltas e revelações cada vez mais bizarras e impressionantes.
Grandes sátiras não escondem o que são. Boots Riley escolhe dublar sobre Lakeith quando ele usa a “voz branca” com um dublador branco (usando a voz do ótimo David Cross). Esse é um dos muitos exemplos de como o filme se utiliza da linguagem cinematográfica para contar sua história ácida, especialmente quando, perto do final, alguns dos conceitos viram para o sci-fi, o que pode acabar afastando muitos espectadores mais despreparados.
Sorry To Bother You é um filme que promete muito, mas que entrega muito mais. Se você quer assistir uma comédia que desafia suas visões sobre o capitalismo, sua força de trabalho, identidade de raça e muito mais, mergulhe de cabeça.
Escrito por Fernando Cazelli
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