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Crítica: Shame – Steve McQueen (2011)

“Brandon é um homem apático de 30 e poucos anos, bem-sucedido e solitário, que não pensa em manter um relacionamento com ninguém. Sua vida se resume à busca do prazer sexual. Porém, sua rotina muda com a chegada da irmã Sissy.” (Fonte)


Retrato realista de um homem pós-moderno

O protagonista nos é apresentado logo de cara como um corpo com aspecto cadavérico esbranquiçado deitado nu em uma cama, o corpo, descentralizado no plano, parece estar refletindo no seu leito, perdido em suas reflexões melancólicas. Ele se levanta e seu sexo, totalmente desprovido de pudor, tem um caráter extremamente dominador no plano em relação ao seu rosto que é sua identificação mais clara e reconhecível. Logo nos primeiros minutos de Shame podemos perceber que esse filme tem um alto teor de tensão sexual, porém que essa mesma tensão é tratada de forma diferente em relação ao que se esperaria de um filme que trata à priori sobre o vício em sexo.


Ao passo que o filme se estabelece, podemos nos localizar naquele espaço, estamos em Nova York, a cidade está completamente acinzentada, na rua as pessoas possuem um alto teor de indiferença, o protagonista trabalha em um prédio elegante e provavelmente importante, eles reclamam sobre “esses youtubers aí”, aparentemente estamos nos dias atuais, dolorosamente atuais. Brandon é um homem que vive sozinho, ele mora em seu apartamento onde aparentemente aderiu à um estilo completamente minimalista, ele ouve, em sua solidão pacífica, muita música clássica, bebe algumas cervejas, come comida chinesa de delivery, e como provavelmente todos os homens viciados em sexo ele assiste à muita pornografia.

O sexo na vida de Brandon tem o seu caráter próprio, é sempre um sexo rápido, fácil, raso e com pessoas completamente desconhecidas. Nenhuma dessas relações sexuais provém ou criam uma relação interpessoal mais profunda ou afetuosa, é “acabou e tchau”. O menor sinal de afetuosidade é o bastante para desconcertá-lo, ele é um homem que não acredita na monogamia e acha as relações amorosas entediantes. Sua vida gira em torno de um vai e vem de sexo fast-food que o alimenta, uma dependência clara e um vício que é um diagnóstico de um homem pós-moderno que achou um meio para aliviar suas dores, suas inseguranças e da s reflexões existenciais que permeiam o imaginário comum de quem vive nos dias de hoje. O estado melancólico contemplativo intermitente de Brandon só é aliviado quando ele se sacia de um sexo descartável, seja com outros ou com ele mesmo.

Individualismo é presente no filme também, Brandon possui aparentemente alguns colegas no trabalho com quem divide alguns shots de Tequila em bares, porém ao final esses encontros acabam, mesmo que sem o esforço dele, resultando em mais um rápido encontro sexual com alguém em algum beco na cidade. Esses casos e seu vício parecem não ser controláveis para ele, em todas as situações onde aparece uma oportunidade de ter sexo com alguém ele entra de cabeça. Mesmo que ele seja sempre o agente dessa ação, ele abre as portas pras situações e as aproveita em uma inocência de culpa que parece não incomodá-lo, como uma pessoa viciada em comida, sem perceber, já está parada na fila de um drive-thru. Sua vida é drenada e isso é percebido pelos tons azulados e acinzentados do filme, empalidecendo mais ainda um protagonista que está aos poucos morrendo e que usa esse fato para, em um desejo hedonista, satisfazer seus desejos.


A vergonha

Até então parecia que o protagonista não tinha parentes, tudo em sua casa era perfeitamente suficiente para um homem solteiro e que não esperaria qualquer visita em seu apartamento. Sua liberdade dentro de casa então é quebrada quando Sissy, sua irmã, aparece e pretende ficar algum tempo. Ela é o desconcertante da história, o faz lembrar de que existe um mundo para além de seu individualismo e de que seu próprio caráter pode ser posto em cheque baseado no seu incontrolável vício em sexo. Sissy é carente, ela se arrasta por causa de um ex-namorado e facilmente se deixa levar por cantadas do chefe de Brandon com quem os dois encontram em uma cena musical belíssima.


A presença de Sissy destoa o mundo de Brandon e ele passa a se reconhecer como uma pessoa com problemas, ele passa a ter vergonha de quem é e faz tudo para evitar que ela invada mais o espaço dele. A ameaça que sua irmã apresenta é a mais cruel, afeto e emoção, tudo o que ele deixou para trás ao criar seu próprio estilo de vida. “You’re going grey.” Ela diz em certo momento do filme.

A perda de controle do seu vício vem e isso se explicita pelos planos descentralizados e enervantes que se seguem em certo momento onde Brandon em um movimento masoquista dá em cima de uma mulher comprometida com uma abordagem de um homem desrespeitoso e é espancado, ele pega toda essa frustração e vai atrás de mais sexo, dessa vez até com homens. O vermelho pulsante que não havia aparecido até ali surge como um prenúncio de um desmoronamento pessoal do protagonista.


Conclusão

O sentimento de melancolia do filme é sentido através da forma com que o diretor organizou os elementos do filme. Os planos-sequência criam um estado de catarse toda vez que são utilizados em momentos mais mundanos que reforçam o realismo da obra que perfeitamente poderia ser a história de qualquer um nos dias de hoje. As cores evocam tristeza e decadência, além de uma música soturna. As atuações do filme são primorosas e cada emoção apática ou carente das personagens é sentida com clareza, a melhor interpretação de Fassbender que já vi. Nova York se encarrega de ser o cenário pro filme e eu não poderia encontrar outra cidade para representar a contemporaneidade que está presente nesse que para mim é o melhor longa-metragem de Steve McQueen.


A indiferença individualista gélida dos transeuntes indaga que qualquer sinal de profundidade é capaz de desconcertar essa orquestra que em notas completamente minimalistas segue conduzindo uma melodia triste, mas que perfeitamente segue tocando quando não é questionada. É como se fosse um standy by humano para tudo o que seria de valor para as gerações passadas, o amor, a família e as boas relações interpessoais. Nunca um filme sobre sexo foi tão pouco excitante, diferente de Ninfomaníaca de Lars Von Trier, aqui é está presente, mas não há um membro balançando na sua rente para provar que está falando sobre sexo. É um filme de aspecto clean, elegante, emocionante e que quando posto em conflito nos diz muito sobre a sociedade em que estamos vivendo hoje em dia e seus vícios.

Escrito por Gabriel Pinheiro como conclusão do curso Oficina de Crítica Cinematográfica: A Experiência de um Filme – Com Arthur Tuoto (Crítico de Cinema e Cineasta Brasileiro)


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