Resenha: O Ato de Matar - Joshua Oppenheimer (2012)
- Equipe
- 30 de nov. de 2018
- 3 min de leitura
Na Indonésia, são considerados como heróis os homens que comandaram o genocídio de milhões de pessoas no passado. Sem remorso nenhum sobre suas ações, eles foram convidados a reencenarem seus assassinatos para as câmeras, com os novos habitantes do vilarejo onde moram. (Fonte)

O que significa o ato de matar uma pessoa?
O documentarista americano Joshua Oppenheimer foca suas lentes em um esquadrão da morte que atuou durante o golpe militar da Indonésia de 1965 (mais informações aqui). Forças militares e paramilitares cometeram atrocidades inimagináveis, que causaram a morte de mais de um milhão de pessoas taxadas como “comunistas” pelo novo governo (muitos deles fazendeiros, imigrantes chineses, sindicalistas, etc.).
A Indonésia continua sob o Regime militar desde essa época. Nenhum desses assassinatos chegou a ser investigado ou mesmo punido por qualquer órgão internacional.

A premissa do filme é que alguns dos executores são convidados a participar de um filme que reconta o período, com detalhes sobre como matavam, porque e quem.
A vaidade desses homens é enorme, há um senso de orgulho gigantesco sobre os atos que cometeram. O “personagem principal” do filme, Anwar Congo, explica com detalhes como eram seus métodos, o que fazia durante as sessões de tortura e como lidava com os corpos dos “comunistas”. Em um certo ponto, chega a dancar no local em que executava suas vítimas.
Muitas dessas pessoas nos dias de hoje são vistos como heróis pela sociedade da Indonésia, e não escondem que também são criminosos, participando de extorsões, chantagens, estupros, assassinatos por dinheiro.

O filme demonstra o distanciamento moral que essas pessoas têm com os atos que praticaram. Além do orgulho e da vaidade, muitos deles demonstram ter um senso de legado histórico, como se os massacres que cometeram não fossem nada mais do que um ato político simples.
A figura do gângster de Hollywood tem um peso enorme no discurso dos assassinos. Muitas vezes no filme, eles dizem que gângsters são “homens livres”; livres das regras da sociedade, livres das limitações morais, e de julgamento por seus iguais. Em uma cena, Anwar explica como os filmes de mafia influenciaram suas técnicas para matar, sua forma de se vestir, suas outras atividades criminosas.

Diferente de muitos documentários, The Act of Killing não busca educar o espectador sobre as tragédias que ocorreram durante o período dos massacres retratados. Porque fatos podem ser distorcidos, fatos podem mentir quando contados. Essa é uma das principais mensagens do filme: a reflexão sobre os atos cometidos não perdoa.
Quando o filme tenta educar sobre a situação geopolítica da Indonésia, sabemos sobre a situação atual do país: os militares dominam a mídia e os cargos políticos; o grupo paramilitar que defende a moral publicamente participa abertamente de atividades criminosas como jogatina ilegal, extorsão, contrabando, assaltos, etc.
Quando a política em si entra nas lentes do filme, vemos um país deixado quebrado, onde comerciantes são extorquidos abertamente diante das câmeras, onde fraudes eleitorais são comuns, onde o militarismo sem freio toma conta.

O filme é um estudo profundo sobre a natureza humana. A brutalidade demonstrada por todas essas pessoas do filme foi real, e nenhuma dessas pessoas vai ser punida. Os perigos de uma ideologia que prega o extermínio de um inimigo (real ou não) são reais ainda hoje, e podem levar sociedades inteiras a atos horrendos como os retratados no filme.
As atrocidades que podem ser cometidas em nome de uma ideologia são demonstradas com clareza, e a qual extensão elas afetam as pessoas que as cometeram.
The Act of Killing é um filme trágico, brutal e, no acima de tudo, extremamente humano.
Escrito por Fernando Cazelli
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