Crítica: Mandy - Panos Cosmatos (2018)
- Equipe
- 20 de dez. de 2018
- 3 min de leitura
Em algum lugar no deserto primitivo perto das Montanhas das Sombras, no ano de 1983, Red Miller (Nicolas Cage) e sua esposa Mandy (Andrea Riseborough) vivem uma vida tranquila. Depois que uma seita religiosa invade o local e mata o amor de sua vida, Red vive apenas por uma coisa: caçar esses maníacos e exigir vingança. (Fonte)

Eu realmente preciso que alguém me faça parar de falar desse filme.
Na sua superfície, Mandy é um filme de vingança, onde o bom e velho Nic Cage vai atrás do culto religioso maluco que assassinou brutalmente sua esposa. Eu não culparia ninguém que decide não ver esse filme baseando-se só nessa sinopse. É fácil esperar um filme raso e sem qualquer criatividade quando o roteiro parte dessa premissa...

O diretor Panos Cosmatos (do também altamente estilizado Além do Arco-Íris Negro) utiliza-se de cores extremamente saturadas e vívidas, com planos alongados e cenas longas com pouco diálogo para contar sua história em Mandy, acompanhado pela maravilhosa trilha sonora de Johan Johánsson (o compositor que infelizmente faleceu antes do lançamento do filme).
A primeira hora do filme foca na vida do casal e é permeada com imagens calmas, representando a tranquilidade, a personalidade da personagem do título (que, diga-se de passagem, é extremamente bem desenvolvida num filme que quase não tem diálogo). Mandy é sempre representada como uma figura mítica da floresta, uma fábula. Red é um lenhador de poucas palavras lutando com o alcoolismo.
Todo esse esforço em criar uma atmosfera de cores e sons que fundem entre si começa a revelar seu propósito quando os vilões do filme são apresentados: são os Filhos da Nova Aurora, um culto religioso (baseado no culto de Charles Manson) baseado nas montanhas, cujo líder, Jeremiah, vê Mandy passeando pela estrada um dia e fica obcecado, ordenando os membros do culto que busquem-a a qualquer custo.

Em uma mistura de raiva explosiva e ódio contido, Nicolas Cage entrega uma das suas melhores performances dos últimos anos. Não espere nada do over-acting que o deixou famoso: aqui, todas as suas cenas são emocionais e bem estruturadas. Algumas das cenas são realmente surpreendentes no sentido da atuação de Cage, como uma das cenas que ele bebe uma garrafa inteira de vodca: vê-se um animal saindo da jaula, um homem ferido na sua carne, quebrado em sua alma.

Com o esquema de cores saturado, transições entre capítulos com title cards estilizados e uma trilha sonora pesada (que abre com Starless and Bible Black do King Crimson), a fotografia de Mandy é um sonho psicotrópico de LSD da melhor espécie. Muitos filmes tentam reproduzir essa atmosfera bizarra, mas poucos conseguem com a personalidade e a atenção ao desenvolvimento das cenas através do uso criativo das cores e efeitos visuais.
Mandy passa nos Estados Unidos em 83. O filme começa com um discurso moralista de Ronald Reagan (presidente conservador dos EUA que intensificou a luta contra as drogas), mas que não desperdiça tempo em subverter a imagem americana pura da época: drogas e pornografia estão em todo lugar; o fanatismo religioso ainda está presente. As cenas mais violentas do filme são mostradas de uma forma quase pornográfica, trazendo para o espectador a oportunidade de reflexão sobre essa faceta da violência extrema.

Mandy é um filme que busca o diálogo entre a beleza de seu primeiro ato (com as cenas de natureza, a beleza de Mandy, a pureza do amor dos protagonistas), a violência grotesca do segundo ato (com demônios meio humanos, doutrinação religiosa, uso de drogas) e a retribuição justa do terceiro ato (com a onda de vingança em que culmina a história) para, no final, trazer uma mensagem sobre violência, drogas e moralismo. A apresentação puramente estética e a trilha sonora carregada nunca chegam a cansar e o filme se beneficia disso, se banhando em sua própria estranheza.
Ps.: Menção honrosa à luta de moto-serras.
Escrito por Fernando Cazelli
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