“A casa de Lucicreide vira um inferno depois da chegada de sua sogra que, despejada, resolve morar por lá. Abandonada pelo marido Dermirrei e sem conseguir liderar seu lar diante dos seus cinco filhos, ela só tem o desejo de ir embora para bem longe. Sem entender a dimensão de uma viagem espacial, Lucicreide aceita participar de uma missão que levará o primeiro grupo de humanos ao planeta vermelho e é inscrita pelo filho de seus patrões, Tavinho. Ele lembra que seu pai estava selecionando uma pessoa para integrar um treinamento que levaria um brasileiro ou brasileira para Marte. Acreditando que vai deixar seus filhos felizes, Lucicreide parte para o treinamento em Cabo Canaveral, nos Estados Unidos.
É preciso ter uma coisa em mente, nos últimos anos o Brasil viu um aumento do número de pessoas que puderam ter acesso, muitas vezes pela primeira vez, às salas de cinema do país. Impulsionados naquela época por um Governo Federal que priorizava as camadas menos favorecidas do povo e conseguiu, através de programas de bem estar social, fazer com que as classes C e D pudessem também desfrutar da grande tela prateada.
Por conta disso, o que se viu foi uma migração da linguagem da TV (extremamente popular no país) para o cinema. Muitas das redes de televisão viram ali um nicho que poderia ser suprido por produções com maior apelo popular. Foi ali que surgiram as chamadas “Globochanchadas”, esse termo que muitos críticos e jornalistas culturais de audiovisual usam, faz menção às comédias produzidas pelo canal que, durante as últimas décadas, foram os maiores recordes de bilheteria nacional.
Muitas dessas comédias se escoram no humor pelo deslocamento. Um personagem normalmente advindo dessas camadas socioeconômicas se encontra em uma situação atípica e o roteiro explora o potencial cômico dessas situações de disparidade. Esse filme não teve pretensão de fazer diferente, isso pode ser visto com bons ou maus olhos, porém, se a intenção foi de não quebrar com esse movimento, devemos analisar a partir desse ponto. O longa conseguiu trazer algo novo ou concretizou de forma positiva o que se propôs a fazer? Minha resposta seria: sim.
Lucicreide é sim uma personagem engraçada e carismática, Fabiana Karla teve um trabalho cômico muito coeso durante todo o filme e certamente consegue tirar risadas facilmente do público com os trejeitos da trabalhadora doméstica. Destaque também para os atores mirins que interpretaram os filhos da protagonista. Essa estética da “pobreza” chique que as produções cinematográficas e televisivas do Grupo Globo tem, parece já ter se consolidado no imaginário e consegue passar facilmente pelo filtro do absurdo para atingir o humor desejado. Aparentemente estamos já condicionados a não problematizar essa estilização do retrato desse desfavorecimento social e econômico. Problema? Acredito que sim.
Essa estereotipação aparentemente natural surge também na hora de retratar outras nacionalidades, com trejeitos e formas de se expressar que beiram a xenofobia. As atuações caricatas que exageram aspectos de outras culturas irritam um pouco, por mais que em dado momento seja engraçado ouvir um “americano” falar “Oxe?”.
Essa “zorra-totalização” das comédias ainda se faz presente nos aspectos formais do filme, as emoções do espectador são totalmente manipuladas pela trilha sonora, a montagem é extremamente apressada, os cortes são exagerados, o roteiro fica o tempo todo se atropelando, os tradicionais efeitos sonoros cômicos dos programas de humor se fazem presentes e como de se esperar há uma simplificação das questões científicas relativas à viagem interplanetária, porém esta última feita com parcimônia, é compreensível a decisão.
Porém, contudo, entretanto, é perceptível que na mão do diretor Rodrigo Cesar, responsável por “A Presepada” de 2018, o filme toma curvas um pouco diferentes em relação aos outros filmes já conhecidos do gênero. Há uma desaproximação da estética clássica desses filmes, com uma direção de fotografia mais apurada do que o normal para essas produções, dá pra ver uma evolução nesse quesito.
O resto do elenco é positivo e operante, Lucicreide é acompanhada durante o filme por uma modelo sem sucesso, um padre jesuíta, um empresário que viralizou na internet e uma astróloga esotérica. A antagonista do filme, por conta do roteiro, parece caricata demais, às vezes nas situações em que é a agente, podiam ter sofisticado um pouco mais a maldade da personagem.
No final das contas, Lucicreide Vai pra Marte escorrega em algumas armadilhas comuns a todos os filmes desse tipo, mas faz o bastante para tentar se destacar entre eles. A premissa tem potencial cômico o bastante para interessar o espectador, o filme em dado momento tem algo à dizer sobre diversidade, existem momentos de boas risadas com releituras de cenas clássicas de ficção científica hollywoodiana e Lucicreide, por mais estereotipada que seja, ainda representa e nos remete um pouco da força do trabalhador e do proletariado brasileiro.
Escrito por Gabriel Pinheiro
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