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Crítica: Monika e o Desejo – Ingmar Bergman (1953)

  • Foto do escritor: Equipe
    Equipe
  • 4 de nov. de 2018
  • 4 min de leitura

Atualizado: 27 de fev. de 2019

"Harry Lund (Lars Ekborg) tem 19 anos de idade e trabalha numa loja de porcelanas. Quase vizinho a ele, na loja de verduras, trabalha Monika (Harriet Andersson), uma simpática e alegre garota de 17 anos. Assim que eles se conhecem a paixão explode. Mas por causa da idade deles, os dois sofrem com a interferência dos mais velhos. Monika briga com os pais e decide sair de casa. Harry discute com o chefe e pede demissão. Sem mais nada que os prendem na cidade, os jovem decidem fugir de barco para uma ilha e passar algumas semanas juntos." (Fonte)

Em 1953 os pudores morais do cinema sueco ainda eram muito presentes, após entregar o roteiro de “Monika e o Desejo”, Ingmar Bergman recebeu somente objeções do estúdio que trabalhava, a Svensk Filmindustri. Foi com esse roteiro dito “indecente e imoral” que Bergman criou aqui um de seus filmes mais belos, lançou a atriz Harriet Andersson para o estrelato do cinema sueco e deu o pontapé inicial para a parte mais difícil tematicamente de sua carreira, “Monika e o Desejo” já contém certas doses da visão pessimista de Bergman sobre o casamento e a dicotomia conflitante entre o desejo humano e a realidade dos dias em que as personagens viviam.


O filme começa nos apresentando uma aborrecedora cidade, entre suas vias movimentadas e portos lotados, e os dois jovens trabalhadores, em meio aos ruídos e ao caos da vida urbana na Suécia da década de 50. Mesmo com todo esse ambiente incongruente os dois jovens se conhecem em uma cafeteria numa cena no mínimo engraçadinha em relação à uma certa caixa de fósforos. É ali que é estabelecido o interesse amoroso.


“No último verão achei que minha bunda iria congelar” – Monika

Em uma sequência que vemos um pouco da rotina de Monika e Harry individualmente e podemos perceber que apesar de seus trabalhos extremamente tediosos e sua vida em casa, caótica em um (podemos ver isso através de como o pai de Monika a trata) e triste em outro, após o encontro na cafeteria eles parecem estar começando a sonhar acordados, e é esse clima de sonho que vai nos acompanhar no segundo ato, onde eles decidem fugir de barco dos seus problemas para uma ilha paradisíaca.


Bergman como sempre tem uma impecabilidade extrema no uso de luz e sombra nesse filme, chega a ser ridículo o quão bem feito é o uso da luz dura nos filmes dele. As cenas internas têm um clima quase “noir” na sua iluminação, mas o contraste mais interessante aqui é entre a soturna cidade e a ensolarada ilha, filmada em uma bela locação no sul de Estocolmo, na ilha de Ornö. A câmera suave de Ingmar Bergman, quase imperceptível, faz cortes básicos, precisos e se atém ao necessário sem muitas aventuras estilísticas. (Com exceção de um plano ao final da longa onde Monika olha diretamente para a câmera, ato considerado tabu entre os cineastas da década de 50, a câmera fecha o plano no rosto de Monika enquanto o fundo é escurecido.)

Os contrastes não são reservados à iluminação e as locações, o roteiro, que não é muito previsível, mas também não tem muitas reviravoltas para dar uma arejada, também explicita muito bem essa diferença entre a vida na cidade e a vida na ilha para onde os dois fugiram, por exemplo: enquanto na cidade, o simples ato de desabotoar uma camiseta na intimidade do casal tem uma tensão muito grande envolvida, na ilha a nudez é tida como um símbolo de liberdade e subversão entre os dois, tudo fica extremamente natural.


O clima de sonho na ilha entre o apaixonado, e cada vez mais conectado, casal é de vez em quando interrompido toda vez que eles esbarram com algum pedaço da civilização, é um micro choque de realidade que vem para lembrá-los de tudo o que deixaram para trás. Esse amor então evolui na ilha e Monika agora se encontra grávida de Harry. Circunstâncias fazem com que eles tenham que voltar para a cidade e é assim que se inicia o terceiro ato do filme.

Tudo volta a ficar sério, sombrio, gélido e tedioso. O fato de o bebê ter chegado não chega a mudar o clima entre os dois jovens que parecem perdidos nas difíceis responsabilidades de adulto que têm de enfrentar. Nesse momento a história tem um ponto chave que nos faz rever e repensar toda a situação, é aqui que se encontra aquele plano onde Monika olha diretamente para a câmera. Nesse momento ela parece refletir sobre o que a sua vida se tornou, sobre tudo o que perdeu ao ir para ilha e sobre como tudo pareceu se tornar um ciclo, pois agora, Harry está começando a tratá-la como seu pai a tratava anteriormente. Nesse plano de Monika nós paramos para pensar que, ninguém pode julgá-los pelo que ocorreu a ele, afinal só têm 19 e 17 anos de idade.

“Monika e o Desejo” é sobre rebelião jovem, a fuga para o amor, a dicotomia entre a realidade e o sonho e sobre como uma realidade dura pode moldar o inconsciente de um indivíduo. É um filme belíssimo de Ingmar Bergman e que nos dá a sensação de que sim, nós podemos seguir os nossos próprios desejos, porém ás vezes, a nossa própria realidade pode contra atacar e precisamos estar preparados para enfrenta-la, afinal, estamos condenados a viver sob a mesma.


Escrito por: Gabriel Pinheiro

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