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Crítica: Dançando no Escuro – Lars Von Trier (2000)

  • Foto do escritor: Equipe
    Equipe
  • 26 de set. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 27 de fev. de 2019

“Selma é uma imigrante checa e mãe solteira que trabalha em uma fábrica no interior dos Estados Unidos. Sua salvação é paixão pela música, especialmente os musicais clássicos de Hollywood. Selma está perdendo a visão e seu filho Gene pode sofrer o mesmo destino se ela não conseguir economizar dinheiro suficiente para fazer uma operação.” (Fonte da Sinopse)


Quando fazemos uma pesquisa rápida sobre “Dançando no Escuro” logo descobrimos que se trata de um musical dirigido por Lars Von Trier. Por mais que as palavras: “musical” e “Lars Von Trier” não soariam coerentes aos ouvidos quando juntas, o que encontramos aqui é uma joia do cinema, que nos faz, através da vida de Selma, ver como o mundo pode ser cruel com aqueles que sonham acordados. O filme rendeu a Palma de Ouro de Melhor Filme e o Prêmio de melhor atriz para Björk.


O Filme abre com imagens abstratas e hiper saturadas em cores vivas que fazem o expectador despertar os seus sentidos para o que ele verá em seguida. É uma marca registrada do diretor, que sempre utiliza esses recursos introdutórios para dar o tom no filme e dar alguma dica para o espectador. Aqui temos uma música clássica e muito bonita mesclada com imagens sem nenhuma identificação visual, apenas borrões, muito peculiarmente associável à protagonista da trama que tem um amor incondicional pela música e pela dança, porém está ficando cega.

Logo que o filme começa são perceptíveis os resquícios do movimento cinematográfico Dogma 95, o qual o diretor dinamarquês fundou em parceria com outros realizadores. A câmera na mão nos dá a impressão de um filme caseiro, os planos são longos e vão acompanhando o os diálogos sem muitos cortes como se o espectador fosse parte do cenário, ele está naquele local assistindo aquela situação e isso cria uma espécie de vínculo com as personagens vistas na tela. Contudo, mesmo com as especificações e limitações estabelecidas pelo próprio Dogma 95, elas não conseguem apagar o diretor que está sempre presente através da câmera, ela é pessoal e tem traços de preciosismo estético nos movimentos e enquadramentos.


Os cortes da montagem e edição do filme são sempre muito secos, entre uma cena e outra não existe uma tomada de transição. Em um momento estamos em lugar x e do nada somos transferidos para o local y sem mais e nem menos quando a cena acaba. A estrutura narrativa é perfeitamente dividida em três atos, dá facilmente pra apontar exatamente onde um acaba e o outro começa, são pontos cruciais de virada no roteiro que fazem que quem esteja assistindo se envolva mais com a trama e fique cada vez mais receoso de onde essa história pode acabar.


Björk desde o início se apresenta na pele de “Selma” como uma moça sonhadora e até com atitudes, inclusive, pueris em contraste com a sua labuta e com a sua responsabilidade para com o bem estar de seu filho. Ela é uma mãe extremamente boa, a atuação de Björk nos faz ficar maravilhados com a dedicação dela, a atriz é extremamente convincente, a seriedade de suas preocupações de mãe se mostram quando chega a hora de ter uma conversa séria com o seu filho, em contrapartida, seu olhar perdido no mundo e sempre sonhando com os musicais de Hollywood que ela tanto ama nos mostram uma Selma que se refugia nessa fantasia.

“Faço brincadeiras quando as coisas ficam difíceis” – Selma Jezková

Ao contrário do que pode se pensar, o “musical” efetivamente se inicia após o fim do primeiro ato. Quando as coisas ficam mais tensas, Selma finalmente nos mostra esse mundo imaginário dela, onde tudo é muito mais cantante e os problemas pouco importam. É um porto seguro para uma alma torturada pelo mundo ao seu redor. As coreografias e canções das cenas “musicais” são bem clássicas, ao bom e velho estilo da broadway. Em contraste com esses recursos estilísticos, essas cenas se passam nos locais mais hostis que se pode imaginar, uma fábrica barulhenta e perigosa, os trilhos de um trem ou até um local de um crime. Aqui cabe mais um comentário sobre a cinematografia, se anteriormente a câmera de Lars se posicionava no canto e acompanhava a trama por uma perspectiva quase que em primeira pessoa, agora ela é estática e vem de vários ângulos diferentes, isso serve para demarcar onde a realidade termina e onde começa o devaneio de Selma.


Björk já é conhecida mundialmente por seu trabalho como cantora e aqui conseguiu imprimir exatamente o seu estilo vocal e técnico, ela parece bem à vontade com as canções que está apresentando na frente das câmeras.


O roteiro é bem eficiente, não utiliza exposições desnecessárias e ele parece perfeitamente crível aos olhos do espectador. A partir do segundo ato, o desenrolar da trama toma um caminho que mesmo plausível, como dito anteriormente, pode surpreender muito os desavisados e ainda sim comover os que já sabem do que a história se trata. O conjunto de circunstâncias que a protagonista se envolve após um diálogo revelador com outra personagem no fim do primeiro ato são no mínimo trágicas e ditam o tom até o fim do filme. A história é simplesmente dramática e isso tem seu peso ainda maior quando temos como vítima e protagonista de todas essas circunstâncias uma alma tão boa e um coração tão maternal quanto o de Selma. Ela só quer o bem de seu filho, custe o que custar.

Assistir esse filme é uma experiência única, seus recursos estilísticos "home made" aliados ao bom roteiro, a atuação impecável da Björk e a sensibilidade emocional apresentada por Lars Von Trier no fazem ter uma catarse inesquecível sobre o que é um filme que te pega pela emoção e pelo drama. O filme tem os prêmios que merece mas não o reconhecimento do público em geral que se beneficiaria completamente dessa experiência proposta pelo diretor.


Dançando no Escuro é uma história sobre o quão cruel e maldoso o mundo pode ser com quem é “boazinha demais”, a maldade desse ambiente em que Selma vive força ela a ter um comportamento que pode ser extremamente destrutivo para ela, porém ele é preciso para garantir o bem estar de seu filho que é a coisa que ela mais ama em toda a sua vida. Também é sobre como coisas pequenas como um simples ritmo musical pode nos proteger de situações extremamente estressantes para o corpo e a mente. Selma no final é simplesmente muito boa para esse mundo em que ela foi jogada para tentar alcançar o seu objetivo tão docemente maternal e humano, no fim das contas ela sempre dá o seu jeito de continuar cantando e dançando, mesmo quando ela se encontra no abismo mais escuro.


Dançando no Escuro é um filme dinamarquês de Lars Von Trier lançado em 2000.


Por: Gabriel Pinheiro

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