Crítica: Antipornô – Sion Sono (2016)
- Equipe
- 24 de out. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de fev. de 2019
Kyoko (Ami Tomite) é uma artista que se fecha num quarto pintado em cores brilhantes. Ela executa sua agenda minuto a minuto. E na programação de Kyoko, o relacionamento sádico com sua assistente, gradualmente converte-se num labirinto psico-sexual vertiginoso. (Fonte)
Talvez o filme do Sion Sono com maior carga metafórica presente por toda sua narrativa. As
metáforas são fáceis, praticamente explícitas por suas cenas e diálogos, extremamente válidas e ótimas. Mas que por sua vez, são pessimistas em relação á essa da imagem
feminina pelo mundo, mesmo sentindo um peso maior no contexto japonês.

Ao contrário do que pode parecer a princípio por conta do nome, o filme não é uma espécie
de manifesto contra a industria pornográfica, não que isso exclua algum tipo de interpretação dessa forma com critérios baseados no que foi apresentado no longa, mas o filme se utiliza um pouco dessa conjuntura, irei evitar um pouco contar sobre esse primeiro ato porque há uma virada mo roteiro que só Sion Sono consegue realizar. Porém, acho que o filme parte mais em nos mostrar a imagem feminina sendo vendida de maneira incongruente pelo mundo, e talvez essa visão de Sion Sono seja mais pessimista sobre a figura feminina no mundo de hoje.
A personagem Kyoko é apresentada num quarto onde as cores são únicas e vibrantes a
cada lugar em volta dela, cores fortes, amarelo para o chão e nas paredes próximas à suíte, o lençol da cama inteiramente azul marinho forte e seu banheiro é composto por apenas um vermelho fortíssimo. A paleta de cores foi precisa e há uma importância gigantesca pro estudo de personagem e suas metáforas, junto a fotografia excepcional.
Kyoko parece ser uma mulher realmente independente, uma artista única, sisuda e importante, porém, vemos que a personagem sofre de alguns surtos temporários, principalmente quando se vê em um reflexo, fazendo com que ela discuta (sozinha e com outra personagem) coisas aparentemente desconexas com o que estamos vendo no longa, e se declarando uma puta com orgulho.
Como de costume nos filmes desse diretor, o clima começa calmo, mas já com um ar de bizarrice que pode estar prestes a nos surpreender a qualquer hora. E é o que acontece, com a magistral direção de Sono. Nesse quarto há algumas particularidades, e a que quero destacar é o lagarto dentro de uma garrafa, onde a Kyoko comenta sobre ser impossível ele sair de lá um dia (guardem essa informação).

O roteiro vai se tornando cada vez mais ousado com a aparição e distorção de novos
personagens, isso é muito genial, mas, já avisando que há cenas inusitadas e bizarras no
primeiro ato, que logo após no plot twist são esclarecidas totalmente. Principalmente as cenas da Kyoko humilhando sua assistente de diversas formas diferentes. E aí é outro ponto que é a base dessa mensagem que Sono que nos passar, a falta dessa sororidade nas relações interpessoais, de trabalho e sociais.
O filme pode se tornar mais autoral pela inserção de um momento chave no filme: a conversa na mesa de jantar da família de Kyoko quando mais jovem. Ao estar ao lado de sua irmã, Kyoko pergunta ao seus pais sobre sua genitália e se nela um dia terá de entrar uma outra genitália masculinas, assim como soube há pouco tempo na escola e pelos filmes. A conversa é seca, estranha e não há uso algum de palavras inapropriadas (o que até então não era nada comum, devido ao texto anárquico que o filme possuía o tempo todo). É uma conversa tipicamente oriental-conservadora sobre relacionamento, corpo e desejo sexual. O que não é uma novidade já que no oriente há um peso maior sobre esse tipo de assunto, em específico no filme: o país é o Japão. Após essa conversa na mesa, o filme entra em rupturas de cenas e mais cenas que mostram Kyoko confusa sobre alguma coisa, e parece sofrer com algum tipo de opressão invisível.
É uma perfeita alusão de como o Japão (e boa parte do mundo) via e agora vende a imagem do feminino. É uma transição estranha da supervalorização da virgindade para a hiperssexualização da mulher. A falsa liberdade de expressão desta nação não passa de um monte de mentiras, a liberdade atormentou as mulheres dessa nação. Enganadas pela liberdade, elas louvam a liberdade de expressão, mas nenhuma delas pode dominá-la. Servas da liberdade, escravas da liberdade, fantoches da liberdade.
A cena final é visualmente magnífica, mas sufocante para aqueles que entenderem as
pequenas frases de Kyoko, que ao se esfregar e rastejar em baldes e mais baldes de tintas
jogadas no chão de seu quarto, grita: "Eu quero uma saída, me dê uma saída!" É a perfeita construção da ideia de falsa liberdade que as mulheres estão tendo nos dias atuais. Talvez uma mais uma ideia bizarra do diretor, ou uma construção cinematográfica de alguns ideias do feminismo radical digerido no pessimismo. O último take do filme, é do lagarto preso na garrafa colocando apenas a língua para fora do gargalo, pois é a única liberdade que ele conseguira ter da garrafa.

Um filme manipulador, bizarro, visualmente magnífico, metafórico e estonteante nas alusões e ideias. Altamente recomendado.
Antipornô é um filme japonês de Sion Sono lançado em 2016.
Escrito por: Gabriel Lopez
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