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História - Construtivismo Soviético

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    Equipe
  • 15 de jan. de 2020
  • 6 min de leitura
"Para vocês, o cinema é um espetáculo. Para mim, é quase um meio de compreender o mundo." – Vladimir Maiakovski, 1922

Em função de seu obsoleto sistema czarista, a Rússia era um país econômica e comercialmente enfraquecido nos primeiros anos do século 20. Enquanto considerável parte do planeta rumava à industrialização, os russos sofreram as consequências de grandes rebeliões camponesas e de duas derrotas em conflitos internacionais: contra a Inglaterra e a França, na Guerra da Crimeia (1853-6), e contra o Japão, em 1905. O país era constantemente abalado por greves e manifestações trabalhistas, entre elas a dos marinheiros do encouraçado Potemkin, em 1905, que, vinte anos depois, inspiraria um imortal clássico do cinema.

Manifestações dos marinheiros do encouraçado Potemkin, em 1905

A possibilidade de organizar a atividade cinematográfica russa nos mesmos moldes industriais de países mais desenvolvidos só começou a se concretizar em 1907, quando o fotógrafo e jornalista Aleksandr Drankov abriu o primeiro estúdio de cinema do país. Em 1910, já eram quinze as empresas cinematográficas que operavam na Rússia, produzindo basicamente dramas históricos ou adaptações da literatura e do teatro locais, principalmente Tolstói, Gogol, Pushkin e Dostoievski. A censura czarista de Nicolau II impediu que os filmes retratassem a situação de crise que a nação atravessava.


Ao assumirem o poder, os bolcheviques logo criaram a Comissão Estatal de Educação, com importante subseção dedicada ao cinema. Lênin, o novo líder, conhecia o valor do meio para levar a mensagem revolucionária à população do vasto território, em geral por "trens culturais”. Surgiram escolas de cinema em Moscou e Petrogrado (depois Leningrado) em 1918, e, em 19, a indústria foi nacionalizada. Graças à Guerra Civil e ao bloqueio de filmes, materiais e equipamentos importados, só anos depois houve produção em maior escala.

Vladimir Lenin, um revolucionário comunista

O discurso construtivista, em suma, reconhece o cinema como essencial ao seu ideal (como arte industrial, mecânica, anônima, ligada a sociedade e ao mundo reais - filmando as coisas existentes e destinado às massas) e aponta para a superação do estágio da cinematografia na época e do mau-uso ideológico e estético do cinema.

Mas o pensamento sobre o cinema é tardio, mesmo entre intelectuais da vanguarda – muitos não o consideravam uma arte, apenas um aparelho técnico; outros o enxergavam como inferior ao teatro e a literatura por apenas reproduzir imagens do mundo real, e não criá-las.


Lev Kuleshov

O panorama começou a mudar em 1924, com a economia estabilizada e a declaração do governo de não interferência na arte - expressões não naturalistas e de vanguarda incluídas -, embora exigisse conteúdo revolucionário, começaria ali um período fértil do cinema. Um de seus primeiros teóricos, Lev Kuleshov, pôs seu talento na sátira As extraordinárias aventuras de “Mr. West no país dos bolcheviques” (1924): com câmeras portáteis, cortes rápidos e sequências de perseguições ao estilo americano, ridiculariza o estereótipo ocidental de russos "loucos e selvagens” e cria um estereótipo de americano - Mr. West, que lembra Harold Lloyd.


Nesse momento, tornou-se de grande importância uma experiência formal realizada pelo cineasta Lev Kuleshov. Ele filmou, isoladamente, quatro planos distintos: o rosto de um homem com expressão neutra, um prato de sopa, uma criança num caixão e uma bela mulher deitada. Montou depois essas imagens de forma intercalada, para que parecesse, aos olhos do público, que o homem estava olhando, num primeiro momento para a sopa, depois para a criança morta e depois, ainda, para a mulher.


Tais imagens, submetidas a uma pesquisa, causaram nos pesquisados a impressão de que o homem tinha reações diferentes a cada plano, com seu olhar transmitindo sensações de fome, tristeza e ternura. Os pesquisados desconheciam o fato de o plano do rosto do homem ser exatamente o mesmo. Comprovava-se, assim, que a ordem pela qual as imagens eram exibidas na tela se alteravam significativamente a percepção do conjunto, nesse experimento conhecido como “Efeito Kuleshov".

A partir de tais experimentações, diretores do cinema soviético começaram a notar que o olhar das plateias poderia ser amplamente seduzido por meio da montagem, ou seja, do ritmo e da ordem em que as imagens eram cortadas, justapostas, remontadas e exibidas. Volumes, massas, proporções, ordem e desordem foram conceitos que passaram a ser observados e trabalhados com maior vigor e rigor dentro dessa nova estética.


A criação e o desenvolvimento dos novos rumos que passaram a reger essa nova maneira de montar filmes se deveram, em grande parte, aos cineastas Dziga Vertov e Sergei Eisenstein


Dziga Vertov

Para Vertov, o cinema deveria romper radicalmente com todo e qualquer laço que o amarrasse à literatura, ao teatro e à própria ficção, que ele considerava algo de menor valor artístico. Era preciso encontrar linguagem e identidade próprias. Defensor do Cinema Documental, Vertov encabeçou um grupo de artistas e intelectuais que lançou o manifesto Kino-Pravda (Cinema-Verde), que apregoava: "Nós declaramos que os velhos filmes romanceados e teatrais têm lepra. Nós afirmamos que o futuro da arte cinematográfica é a negação do seu presente. Nós conclamamos a acelerar sua morte."

Vertov pregava um estilo cinematográfico que ele chamava de Kino-Glaz (Cinema-Olho), no qual a câmera era uma extensão do olho humano e, consequentemente, uma extensão da verdade.

Assim, o cinema autêntico só seria possível pela captação de imagens da realidade concreta. Captadas as imagens, uma nova realidade poderia ser (re)criada durante o processo de montagem do filme, por meio da forma e do ritmo com que os planos se alternassem. A ideia foi colocada em prática em todo o seu vigor no filme “O Homem com uma Câmera”, que Vertov realizou em 1929. Basicamente, trata-se do registro da vida urbana, sem retoques, das cidades de Odessa e Moscou, pelo ponto de vista de um cinegrafista, e com uma montagem fragmentada, inovadora e inusitada para a época.


Sergei Eisenstein

Sem diminuir a importância de Vertov, o nome mais significativo e representativo desse forte cinema russo que nasceu após a Revolução de 1917 é o de Sergei Eisenstein. Estudioso e teórico das técnicas cinematográficas, Eisenstein foi engenheiro do Exército Vermelho e se apaixonou pelo cinema após trabalhar como desenhista de produção do Teatro Popular de Moscou. Dedicando-se com profundidade ao estudo do desenvolvimento da linguagem cinematográfica por meio das infinitas possibilidades da montagem, ele criou a chamada “montagem de atrações”, também conhecida como “montagem intelectual" ou "montagem dialética” inspirada na dialética marxista muito em discussão naquele momento.


Trata-se, basicamente, do desenvolvimento do conceito de que uma imagem “A”, contraposta a uma imagem "B", gera a ideia “C” bem maior, mais ampla e diferente que o simples "A+B" Em outras palavras, o próprio sentido do filme pode ser constituído numa sala de montagem, independentemente até mesmo da ideia do cinegrafista que captou as imagens. Tais conceitos estão exposto de maneira detalhada nos livros “A forma do filme” e “O sentido do filme”, de autoria do próprio cineasta, obras em que esmiúça os tipos de conflitos existentes entre massas, volumes e direção de cada plano.

Muito se discute se a falta de estrelas nos filmes do período revolucionário foi uma necessidade - a maioria estava no exílio e era difícil estabelecer outras novas - ou uma preferência intelectual e estética. Eisenstein adotou um método de representação ao elaborar a teoria de "tipagem", utilizando, em vez de atores profissionais, “modelos" chamados de naturshchik, capazes de transmitir aos espectadores o caráter, a função ou a classe social de determinado personagem.


Einsenstein decidiu escalar o inexpressivo operário Vasili Nikandrov para personificar Vladimir Lênin em “Outubro”, meramente por ele ter um rosto parecido com o do líder e as massas em si para o papel do "herói coletivo". Apesar disso, outros diretores passaram a se fiar muito mais nos elementos fornecidos pelo roteiro e pelas atuações em seus filmes. A mãe, a estreia de Pudovkin no cinema, dá ênfase à representação expressiva de Vera Baranovskala o heroína epônima, que é conduzida à luta revolucionária por um tragédia pessoal.


Declínio do Construtivismo Soviético e escalada do Realismo Socialista


Com o passar da década, foi se tornando mais difícil, e mais perigoso, produzir esse tipo de visão crítica - quer fosse ela explícita ou dissimulada - da vida na União Soviética. Os debates e as expressões de divergência artística entre cineastas foram substituídos por disputas ideológicas dogmáticas e convênios de produção restritivos entre realizadores e seus mestres políticos.


Esse rico período teve fim trágico sob o rígido regime de Stalin. Bons filmes, sobretudo os de Eisenstein, tachados de “burgueses”, eram acusados de empregar simbolismo e estilo visual moderno. Ao fim de 32, o slogan "realismo socialista", atribuído a Stalin, dominava as artes e se opunha ao "formalismo" - a forma sobre o conteúdo. A arte soviética devia ser otimista, compreensível e amada pelas massas, e a experimentação, que diferenciara o cinema russo, foi subjugada.

Josef Stalin, Ex-Primeiro-ministro da União Soviética

Os burocratas do Comissariado para o Esclarecimento do Povo Soviético, dirigido desde 1917 por Anatoli Lunacharski, se concentravam em coagir a indústria cinematográfica a se adaptar às demandas do "ideal socialista", impondo a conformidade ideológica e erradicando experimentações formalistas inacessíveis. Lunacharski foi substituído em 1930 pelo linha-dura Boris Shumiatski, expurgos começaram a ocorrer na indústria e a atmosfera de relativa liberdade e experimentação gozada pela geração revolucionária de cineastas chegou ao fim.


BERGAN, Ronald. Guia ilustrado Zahar: Cinema - 4. ed. - Rio de Janeiro: Zahar, 2012

SABADIN, Celso. A história do cinema para quem tem pressa - 1. ed. - Rio de Janeiro: Valentina, 2018

KEMP, Philip. Tudo sobre cinema; Rio de Janeiro: Sextante, 2011


Organizado por Gabriel Pinheiro


 
 
 

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