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Crítica: A Casa Que Jack Construiu - Lars Von Trier (2018)

  • Foto do escritor: Equipe
    Equipe
  • 11 de nov. de 2018
  • 4 min de leitura

“Estados Unidos. Anos 70. Acompanhamos Jack (Matt Dillon), um serial killer altamente ardiloso, e seus crimes num espaço de 12 anos. Enquanto a inevitável intervenção da polícia se aproxima a cada passo, Jack se arrisca na esperança de realizar sua obra de arte definitiva.” (Fonte)

(Essa crítica não contém spoilers sobre a trama)


O polêmico diretor Lars Von Trier voltou para Cannes e causou, como era de se esperar, certa revolta por causa de seu novo filme. Agora esse longa chegou ao Brasil e pude assistir à sua estreia no Brasília International Film Festival. Apesar de estar fisicamente debilitado, por causa do seu longo abuso de bebidas alcoólicas, Lars parece que conseguiu se recuperar das falas que deu naquela fatídica coletiva de imprensa no lançamento de Melancolia e conseguiu entregar um resultado no mínimo interessante.

Devemos analisar esse filme a partir de um ponto crucial, o filme é sobre um serial killer. Um serial killer é uma pessoa com transtornos mentais de psicopatia e essa personagem do filme não age conforme as outras pessoas agiriam normalmente. A partir desse ponto podemos analisar o filme e entender que sim, além de ser um filme de Lars Von Trier, que já é conhecido por seus filmes chocantes, é um filme violento, que causa ojeriza, e mostra o quão transtornado esse psicopata é, como todas as suas especificidades na hora de agir. Exatamente como um filme de serial killer deveria ser.

Jack é um engenheiro, ou arquiteto dependendo da sua percepção sobre, que se torna assassino em série, Matt Dillon e Von Trier criaram aqui um dos espécimes mais interessantes de serial killer, seus pequenos detalhes são o que constroem a sua personalidade, seu jeito de convencer as vítimas enquanto está começando sua “carreira” atrelada ao seu TOC são simplesmente hilários de se ver e tiram sinceras gargalhadas do público enquanto estão na tela. A atuação de Dillon mostra muito bem as diferentes fases do personagem ao longo desses doze anos que a história conta, seu amadurecimento e reconhecimento como assassino e suas inseguranças pessoais/psicológicas se transformam como um dégradé nas expressões faciais, físicas e de fala do personagem. É uma atuação muito expressiva e que com toda certeza vai ficar marcada na filmografia do diretor e na carreira do ator.


O filme em si, tecnicamente, é típico para quem já está acostumado com o diretor. A câmera na mão está presente atrelada a certos planos com uma movimentação suave além o constante uso de planos detalhe, muitas cenas externas com iluminação natural e as poucas internas que têm possuem uma variação de tons frios e quentes, sendo os frios sempre em um cenário específico. O filme é construído através de uma narração em off que é uma conversa entre Jack e Virgílio, e além da história e si o filme possui algumas inserções de vídeo e foto para a explicações de certos pontos, analogias e reflexões sobre o que está sendo visto na tela. Esse recurso dá um ar de PowerPoint educativo no meio do filme, essa decisão já foi testada em Anticristo e em Ninfomaníaca, mas aqui atinge seu ápice. A trilha sonora contém apenas duas músicas, e isso pode irritar algumas pessoas assim como me irritou um pouco, porém, passível de compreensão pois as duas músicas são muito boas e de certa forma casam exatamente com os momentos em que são reproduzidas.

O tema principal do filme, baseado no meu ponto de partida que mencionei no início do texto, é sobre qual é o limite do uso de violência na arte e nas expressões artísticas em geral. Temos um assassino que trata seus atos como obra de arte, tudo é meticulosamente pensado como uma peça para ser exposta num museu ou algo do tipo, ele pega inspirações pras suas obras assim como a maioria dos artistas convencionais fazem. Lars complementa essa discussão através da conversa de Jack e Virgílio que falam sobre regimes autoritários, assassinos famosos e artistas, o diretor insere uma sequência nesse ponto que me soou levemente autoindulgente e até vergonhosa de certa forma, completamente desprendida da narrativa e que foi uma tentativa de um statement pessoal falha e desconexa, porém não te tira por muito tempo da história e tudo segue tranquilamente sem mais interrupções.


A violência no filme é o que se espera de um filme de suspense sobre um assassino. Qualquer filme de “Jogos Mortais” ou “Premonição” é mais violento que esse longa. O fato que aconteceu na estreia do filme no Festival de Cannes, onde parte do público se sentiu ofendida por conta das cenas fortes, em parte é completamente justificável. Realmente quem não é fã ou não está acostumado com esse tipo de filme não iria conseguir ver todas as cenas, algumas pessoas realmente saíram da sessão em que eu estava, porém, é exatamente o que se espera de um filme desse gênero e nem há nada de muito transgressor em relação ao uso de violência nesse filme. Ainda em relação aos assassinatos e à violência explícita, o diretor tem um uso muito interessante do tempo de tela na hora desses atos, quanto maior a demora em o assassino efetivar a morte, mais expectativa é criada e tensão alimentada e por fim mais sentida é a morte.

O filme instiga a curiosidade nos momentos certos, choca nos momentos certos e reflete nos momentos certos, tem algumas escolhas falhas do diretor e com toda a certeza, como todo bom filme de Von Trier, vai gerar muitos meses de discussão. No final esse trabalho de Lars Von Trier supera o seu último, Ninfomaníaca, e de alguma forma encontra o seu lugar no meio das melhores pérolas da filmografia do diretor, que em minha opinião já teve o seu ápice anteriormente. Como um filme de suspense e de assassinato ele é extremamente bem sucedido, nos entregando um ótimo filme e que de certa forma refresca um gênero que acabou se tornando extremamente formulaico e simplista. Esse filme traz de volta a complexidade da mente de uma pessoa transtornada para as telas que serve de estudo de personagem profundo, tudo isso atrelado às suas inúmeras simbologias são um prato cheio para os profissionais e estudantes de psicologia e psiquiatria.


A Casa Que Jack Construiu é um filme dirigido por Lars Von Trier e lançado em 2018.

Escrito por Gabriel Pinheiro

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