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Crítica: O Poço - Galder Gaztelu-Urrutia (2020)

O Poço, filosofia de estruturas sociais

El Hoyo ou O Poço, dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, é a nova produção espanhola da Netflix, que se mantém entre os mais assistidos no Brasil, visa pôr em voga a estrutura de classes através da narrativa de um poço de muitos andares, com dois ocupantes em cada, cuja principal problemática é a disponibilidade de comida para todas as pessoas que nele estão. Para tanto, o filme trabalha com o que parece ser um baixo orçamento para criar uma ambientação carcerária e um regime político explícito, fundamentando seu roteiro na construção de metáforas sociais que não raramente são escancaradas, como é o caso logo nos primeiros minutos em que Goreng, interpretado por Ivan Massagué, que acaba de ser introduzido ao sistema questiona a distribuição de alimento, apontando que esta deve ser igualitária para que ninguém passe fome ao que Trimagasi (Zorion Eguileor), seu companheiro de nível, pergunta-lhe se é comunista.


Porém, como se chega ao poço? A princípio, na apresentação dos personagens Goreng explicita que decidiu estar ali por livre iniciativa, candidatando-se, enquanto Trimagasi teria pelo menos mais uma alternativa além daquela pela qual optou. Essa escolha é reforçada posteriormente por Imoguiri (Antonia San Juan) em uma conversa com Goreng.

O visual do filme é simples, há apenas três cenários sendo eles o próprio poço, a sala de entrevistas e a cozinha. A diferença de cores é acentuada, nos níveis há o presente tom azulado que até certo ponto representa a escassez, sendo substituído pelo vermelho intenso à noite; a cozinha é composta por tons quentes, acolhedores, indicando a condição privilegiada – ali não se sofre da mesma desordem do poço –; por último a sala une ambas as paletas, sendo um espaço intermediário. A fotografia não se apoia em muitos floreios, as principais fontes de luz nos níveis são lâmpadas retangulares desfocadas nas paredes; sendo que a iluminação no geral se atenta ao naturalismo das fontes luminosas nos períodos matutinos e vespertinos. A direção de arte ressalta a fineza dos pratos quando estes estão sendo preparados em uma espécie de Hell’s Kitchen sádico, porém uma vez que estes descem pela plataforma vão assumindo o tom acinzentado do ambiente até sobrarem apenas as vidrarias.


Alguns detalhes técnicos poderiam receber revisão como o CGI aparente em planos que enquadram vários níveis, possivelmente sendo praticável substituí-lo por maquetes que adensariam a tendência realista do filme. Além disso, a mesa se move sem mecanismo visível, apesar de às vezes serem escutadas correntes (como na sequência de descida final).

As imagens mais viscerais incluem o gore quase naturalizado; corpos mutilados com takes incrivelmente minuciosos de suas feridas e decomposição; humilhações escatológicas que relembram diretores que as dominavam tornando-as marcas comuns em seus filmes como era o caso de Pier Paolo Pasolini e que aqui se afirmam como atos separatistas de classes, subjugação social, étnica e religiosa.


A reflexão proposta por O Poço faz-se explícita em falas proféticas que alegam a inconsciência da Administração e, portanto, do Estado, categorizando-a como uma máquina onde apenas seus empregados possuem potencial poder revolucionário sendo estes altos escalões também explorados que necessitam compreender a realidade da engrenagem escabrosa que auxiliam. Dentro dessa lógica, entende-se que existem funcionários idealistas que creem na Administração irracionalmente, não sabendo de todos as suas atitudes.

No fim, Goreng é enquadrado em primeiro plano em contra-plongée como um mártir, seu cabelo se assimila a uma coroa de espinhos, ele, no escuro, é iluminado por uma luz acima de sua cabeça, o que o condecora por sua função na ruptura dos padrões atrozes resultados da Administração. Posteriormente, ele se dirige para uma luz lateral e deixa o filme, indicando que o diálogo que se passa está acontecendo em sua mente.


A mensagem final d’O Poço faz menção à liberdade de escolha ao integrar e aceitar um sistema. Quando o filme expõe o background de seus personagens ele também assegura que aquela situação exige o acordo prévio, voluntarioso, ao que a última cena resume a injustiça do nascimento em uma ordem desumana, caótica e individualista da qual não se decidiu conscientemente fazer parte, dessa forma a posição de um indivíduo à margem constitui o único argumento que poderia dobrar os administradores, pois explicita as vítimas colaterais daquela organização o que abala o idealismo de uma sociedade democrática e solidárias naquelas condições.


Escrito por Giovana Pedrilho

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