1. O Cinema Noir
O Cinema Noir foi um movimento que ocorreu entre os anos 30 e os anos 50, que fez muito sucesso com sua estética expressionista, seus jogos de luz e sombras, seus protagonistas endurecidos, femmes fatales e as tramas cheias de reviravoltas. Os movimentos que influenciaram o noir foram o Expressionismo Alemão (com o uso de locações para filmagens, jogos de luz e sombra, e a busca de uma apresentação visual única) e o Realismo Francês (com personagens em situações que exploravam a corrupção, protagonistas desiludidos).
Alguns dos filmes mais clássicos desse movimento são: O Falcão Maltês, Dupla Identidade, A Dama de Shanghai, À Beira do Abismo, O Crepúsculo dos Deuses, O Terceiro Homem e A Marca da Maldade. Alguns dos grandes nomes dessa época são Hitchcock, Orson Welles, Rita Hayworth, Billy Wilder e Humphrey Bogart.
As principais características desses filmes são: a fotografia quase sempre em Preto e Branco, com bastante foco nas sombras (e bastate uso do ângulo holandês); Protagonistas normalmente veteranos da segunda guerra mundial, que bebem bastante, que sejam atormentados por seu passado; Mulheres sedutoras com segredos quase sempre fatais; A polícia quase sempre corrupta e/ou ineficiente; Tramas baseadas em livros pulp – histórias de detetive, tidas como “literatura barata” na época.
O gênero Noir foi muito influenciado pelo seu contexto histórico, a Grande Depressão dos EUA e a Segunda Guerra Mundial. A popularidade desses filmes era imensa, com nomes grandes como Humphrey Bogart, Orson Welles, Charlton Heston e Rita Hayworth, o sucesso de bilheteria era sempre garantido.
O fim do reino do cinema noir aconteceu com alguns fatores, como o desgaste natural do gênero, a chegada do cinema em cores e mais alguns fatores, mais os dois mais importantes são uma mudança no sistema de estúdios americano e a chegada da televisão.
O sistema de estúdio, no final dos anos 50, e com a popularização da televisão, percebeu que o público (agora muito mais ligado nas obras cinematográficas por causa da TV) adoraria ir mais ao cinema. Mas, era difícil vender essa experiência a um público sempre maior com filmes pessimistas, sobre corrupção e focados em diálogo. Foi então que os estúdios começaram a focar sua atenção (e dinheiro) em grandes produções, nos filmes de desastre, nos musicais, etc. E foi assim que o noir clássico chegou ao fim.
2. O Neo-Noir e os Irmãos Coen
Foi então que muitos cineastas das décadas seguintes acabaram criando o que se chama de neo-noir (afinal de contas, ainda existe algum público para filmes pessimistas). Filmes inspirados no noir, mas que apresentavam algumas desconstruções ou revoluções do gênero. Um bom exemplo é o filme Chinatown de Roman Polanski (veja nossa resenha aqui). Essas são descontruções do noir, filmes que buscavam usar o gênero para criar uma coisa própria, uma linguagem única e que prestasse homenagem aos clássicos.
Até que um dia chegaram os Irmãos Coen.
A influência do Noir na cinematografia dos Coen é clara, especialmente em filmes mais sérios como O Homem que Não Estava Lá, Gosto de Sangue, Onde os Fracos Não Tem Vez. No entanto, os Coen realmente brilham quando dirigindo comédias “negras”, como Ei Meu Irmão, Barton Fink, Um Homem Sério, e O Grande Lebowski.
Em todos os filmes dos Coen, percebemos personagens que lutam para entender o caos do Universo, que esperam encontrar algum sentido nas coisas horríveis que geralmente ocorrem com eles, sem qualquer esperança de alguma resposta, sempre.
3. O Grande Lebowski
O Grande Lebowski foi lançado em 1998, escrito e dirigido pelos irmãos Coen, conta a história de Jeff Lebowski, ou o Dude (Jeff Bridges), que é confundido por um milionário com o mesmo nome por agiotas que cobram uma dívida de sua esposa, que entram na sua casa e mijam no seu tapete.
A trama teria tudo para ser um noir clássico: O Grande Lebowski (o milionário) – que é um velho industrialista paraplégico veterano – quando sua esposa é sequestrada, supostamente pelos agiotas que o encontraram antes, e pede que ele faça a entrega do dinheiro. Esse é um início clássico de um noir: um protagonista é chamado para se meter na história de alguém por algum magnata misterioso.
É aí que O Grande Lebowski segue para subverter TODAS as convenções dos noir: seus personagens, sua trama, a narração, a cinematografia, o roteiro. E é por isso que O Grande Lebowski é meu filme favorito dos irmãos Coen.
O personagem principal é Jeffrey Lebowski, um ex-hyppie dos anos 70, agora nos anos 90. Ele não parece ter grandes preocupações ou dificuldades na vida, além do seus jogos de boliche ou de ouvir música. A facilidade com que o Dude vive inspirou uma religião nos EUA: a Igreja do Dude do Sétimo Dia (que chega a oficiar casamentos entre seus membros), que prega o estilo de vida fácil e descomplicado.
O Dude é a imagem reversa de tudo que um protagonista noir era nos anos 40. Imagine Humphrey Bogart bebendo bourbon em um terno bem vestido, falando rápido e com confiança. O Dude é introduzido de chinelo e roupão de banho em um supermercado, cabeludo, barbudo, passando um cheque de alguns centavos.
E essa descontrução dos personagens não fica só no personagem principal: O Grande Lebowski é revelado ser uma fraude que rouba dinheiro de instituições carentes (e que forjou o sequestro da sua esposa); Walter (John Goodman) o amigo veterano do Dude que faz o tipo machão demonstra não ser muito brilhante; Maude (Juliane Moore), a femme fatale, é uma artista plástica que também usa o Dude para seus próprios fins; os vilões do filme são os Niilistas, que não acreditam em nada e não querem nada no final, etc.
Em todos os personagens, mesmo quando secundários há uma subversão das expectativas do gênero: quando em um noir clássico teríamos um veterano honrado, aqui temos um veterano que não para de falar da guerra e aponta uma arma para um colega em um jogo de boliche.
E a própria trama que leva o filme é em si uma inversão completa de um noir clássico: a motivação que leva o Dude a investigar é que um agiota mijou no seu tapete; o próprio Grande Lebowski é um rico corrupto que forjou o sequestro da sua esposa; Walter, o veterano, age no filme com raiva e desonra, etc.
Até o próprio elemento da narração é subvertido: muitas das vezes, o narrador começa a divagar sem sentido, e para a narração para voltar ao assunto.
Esses são alguns elementos que elevam O Grande Lebowski ao patamar de uma das melhores comédias já feitas. É um filme que chega muito acima dos níveis que busca alcançar: é muito mais que um neo-noir, que uma comédia negra, que um estudo sobre o início dos anos 90, etc.
E é com a direção magistral e precisa dos Irmãos Coen que uma sátira sobre um gênero já quase esquecido pode ser transformada em um dos filmes mais marcantes dos anos 90.
Escrito por Fernando Cazelli
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