Depois de guardar as fantasias, chegou a hora de decorar a árvore e pendurar luzinhas de Natal. Está iniciado o limbo entre o Halloween e as festas de fim de ano. Nele, entre o spooky e as celebrações familiares, jazem os filmes de terror natalino: pensando que escaparam dos pesadelos de dia das bruxas, os personagens se veem ameaçados em suas inocentes comemorações; o perigo está em tudo, desde os presentes até um simples boneco de neve ou até mesmo o próprio Papai Noel.
É fato que o terror natalino carrega certa fama de trash com atuações óbvias, baixo orçamento nítido, enredos muitas vezes não mais profundos do que um aperitivo de slasher embrulhado em papel vermelho. Alguns desses filmes chegam a ganhar sequências como o caso de Jack Frost (1997) enquanto outras franquias se assemelham mais ao fenômeno de Birdemic (2010) no quanto encarnam o estereótipo de baixo orçamento como é o caso de Krampus (2015), entre outros títulos que chamam atenção seja por essas características ou por guardarem boas surpresas: Silent Night, Deadly Night (1984), Mother Krampus (2017), Elves (1989), entre outros; e clássicos consagrados como Gremlins (1984) que mostram que nem todo terror natalino segue essa dinâmica. Então há esperança para o Natal! Essa lista vai sugerir alguns títulos que ora fogem completamente desses traços ora os abraçam:
Black Christmas (1974), Bob Clark (CAN)
Tido para alguns como o filme fixador do subgênero slasher e por vezes o primeiro em quesito de linguagem consciente – pretendia-se fazer um slasher com todos os seus códigos, inclusive o clássico da Final Girl –, ele é uma ótima representação desse estilo. Acompanha as intensas férias de Natal de uma irmandade aterrorizada por estranhas e violentas ligações de um desconhecido que assombra e caça as mulheres uma a uma.
No meio do slasher tradicional, Black Christmas ainda é capaz de apresentar ao espectador protagonistas não estereotipadas, de personalidades próprias, fortes e independentes, inserindo questões como o aborto sem um julgamento moral, colocando-o da perspectiva feminina. É uma ótima maneira de se despedir de filmes como Halloween (1978) entrando no ritmo do Natal, pois mescla ambas as comemorações ao trazer tanto o terror de serial killer quanto as decorações, os coros e o clima natalinos.
Inside (2007), Alexandre Bustillo e Julien Maury (FRA)
Quatro meses após sofrer um acidente de carro que matou seu marido, Sarah está prestes a dar à luz a sua primeira filha em 25 de dezembro. Ela deve passar a véspera de Natal descansando, preferindo ficar longe da ceia e das reuniões, mas sua tentativa de repouso é frustrada quando uma estranha bate à sua porta.
Violento, imoral e injustificável? Surgido na nova onda do cinema francês de terror extremo (New French Extremity como foi cunhado) que se deu na primeira década do século XXI, Inside lembra bastante os filmes de torture porn – como O Albergue (2005) – estadunidenses com o grande diferencial que sua direção é francesa e, portanto, aborda a trama dessa perspectiva. Ele traz um medo visceral, animalesco e, acima de tudo, irracional ao mesmo tempo em que discute a visão do estrangeiro e a urgência de se entender como a população europeia encara esse personagem “de fora”.
O estranho mundo de Jack (1993), Henry Selick (EUA)
Jack Skellington vive na Cidade do Halloween onde é responsável pela organização da celebração, sendo o protagonista dela. Porém após anos realizando a mesma festa, ele está cansado da mesmice. Após descobrir o portal do Natal, seu interesse é então levado para esta data e ele começa os preparativos para ela, mobilizando toda a sua cidade.
O estranho mundo de Jack não está nessa lista pelo seu ineditismo, afinal já é um filme batido, mas assim como os dramas e comédias românticas próprios dessa época do ano ou até mesmo as clássicas músicas de Natal que vivem em looping – já escutou aquela da Mariah Carey? – ele nos seduz a reassistir várias e várias vezes.
É e não é um filme para crianças. Ele tem o quê de estranhamento que fascina na infância ao lado de outras animações de terror como Coraline (2009) e A Noiva Cadáver (2005), mas é possível que justamente por esse primeiro choque ele acabe ganhando um lugar especial na coleção de filmes. E, afinal, parece que essa lista vai ter pelo menos esse longa passível de se ver em família.
Holidays (2016), Anthony Scott Burns, Kevin Kolsch, Nicholas McCarthy, Adam Egypt Mortimer, Ellen Reid, Gary Shore, Kevin Smith, Sarah Adina Smith, Scott Stewart, Dennis Widmyer (EUA)
Um filme não apenas sobre Halloween e Natal, mas também sobre várias datas festivas; desde a Páscoa até Dia de São Patrício, Holidays é uma antologia que reúne 8 curtas-metragens com histórias independentes entre si ao estilo de ABC da Morte (2012), Contos de Dia das Bruxas (2007) e o brasileiro As Fábulas Negras (2014).
O conto de Halloween, dirigido por Kevin Smith – Tusk (2014) –, é sobre camgirls que desejam tirar o dia de folga para aproveitar a noite de dia das bruxas, mas são impedidas pelo seu chefe, assim elas arranjam uma maneira de se vingar. É o mais fraco de todos os curtas de Holidays, mas isso pode ser devido ao fato de também ser o mais “real” no sentido de que o que é mostrado não é de todo contrastante da realidade, acabando por ser o mais plausível de acontecer.
A história de Natal é dirigida por Scott Stewart – Legião (2010) – contando com Seth Green no elenco e o traz como um pai que, tentando não decepcionar a esposa e o filho na escolha de um presente, compra o novo óculos de realidade virtual, porém o mesmo mostra visões de crimes e segredos. Aqui é claro o diálogo entre produções de terror tecnológico como a série Black Mirror (2011 – 2019).
Jack Frost (1997), Michael Cooney (EUA)
Se você é fã de trash, esse filme é para você. Não vai exatamente te deixar no clima do Natal, mas já te ajuda a se preparar para ele depois do Halloween; como diria Jack “looks like Christmas came a little bit early this year” (“parece que o Natal chegou um pouco mais cedo esse ano).
Jack Frost é um assassino sentenciado à pena de morte. No caminho para sua execução, o camburão sofre um acidente na estrada nevada envolvendo outro veículo que transportava um químico perigoso. Ao entrar em contato com o mesmo Jack consegue poderes sobrenaturais, tornando-se um boneco de neve assassino que busca vingança pelo policial responsável por sua captura.
A impressão que passa é que o diretor, consciente dos códigos do filme de terror trash aplicou-os todos nesse longa: o herói que luta pela moral, o assassino frio – alerta para a metáfora – com sede de vingança e o casal adolescente, entre outros suspenses menores que se constroem em cada ato – acidente, envolvimento com o FBI, cientista etc. E, orgulhoso dessa identidade trash, Jack Frost ainda brinca com ataques não usuais e defesas cômicas.
Treevenge (2008), Jason Eisener (CAN)
Do mesmo produtor, Rob Cotterill, e diretor, Jason Eisener, do trailer Hobo with a Shotgun, incluso em Grindhouse (2007) de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, Treevenge é um curta-metragem de 16 minutos de pura perturbação que mostra o ponto de vista dos pinheiros cortadas para servirem de decoração de Natal.
Trata-se da vingança do meio ambiente de um modo absurdo e nonsense após a violência do desmatamento. É possível supor que essa ideia de dar vida às árvores veio através de Trono Manchado de Sangue (1957) de Akira Kurosawa e que em Treevenge adquire um caráter trash recheado de gore.
Escrito por Giovana Pedrilho
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