"Kang-do trabalha cobrando empréstimos devidos a agiotas. Sem família, ele vive um cotidiano brutal e solitário, empregando métodos violentos para extorquir suas vítimas. Tudo muda quando ele é abordado por uma mulher que afirma ser sua mãe." (Fonte)
Pietá de Kim Ki-Duk é um filme denso em temas e significados. O filme conta a história de Gan-Do, um homem que trabalha cobrando as pessoas que devem para um agiota, quando uma mulher que diz ser sua mãe aparece e começa a cuidá-lo, ele questiona quem é e o que faz.
Gan-Do é mau demais, ele tortura e aleija os devedores sem pena e com até um certo prazer por humilhar e machucar os outros. Em todas as cenas do início do filme ele demonstra essa maldade e raiva, o que cria um personagem unidimensional e desinteressante. O filme mais a frente tenta dar um sentido para isso, com a questão de que ele não teve mãe nem pai, mas isso não conserta o personagem fraco e sem carisma. Fica bem difícil sentir algo por ele. Mesmo no final, quando tu que o diretor queria é que sentíssemos, uma certa simpatia pelo personagem.
Porém o filme triunfa em criar uma relação simbólica entre os acontecimentos da narrativa e os acontecimentos da tragédia grega Édipo Rei. Gan-Do é Jocasta, e quando o filme explica o motivo de seu nome também é Maria, a mãe de Jesus. Min-Son, a mulher que entra na vida do protagonista dizendo ser sua mãe, é Édipo. A resposta de quem é Laio, o pai assassinado de Édipo, somente aparece mais para o final do filme.
Gan-Do vive sua vida sozinho sem contar com o apoio de ninguém. Da mesma forma que Jocasta após a partida do marido. Então a chegada de alguém novo em sua vida faz com que ele mude completamente. Ele duvida dessa pessoa no início, mas com o tempo vai se encantando e a amando incondicionalmente.
Essa pessoa é Min-Son, ela sai de sua antiga vida extremamente irritada e com um certo desejo de sangue. Ao chegar em seu destino tem que se provar seu valor. Ela tenta obrigar Gan-Do que o deixe cuidar de sua casa, mas essa forma não é a correta e não tem o efeito esperado. Então ela tenta uma nova abordagem. Pelo telefone ela usa das palavras para tentar convencer Gan-Do. E com isso ela faz algo que ninguém havia conseguido fazer, fazer com que Gan-Do deixe alguém entrar em sua casa. Da mesma forma, quando Édipo chega a Tebas confronta a esfinge e consegue desvendar uma charada que nunca ninguém havia conseguido chegar a resposta correta.
As provas do amor materno continuam até que culmina no sexo entre Gan-Do E Min-Son. Após isso os dois passam a viver juntos. Pode se dizer que eles “casam”, inclusive dividem a cama, assim concluindo a segunda e última parte da profecia de Édipo, o casar com a mãe.
Quando Min-Son desaparece, seu plano começa a ficar evidente e é aí que entendemos quem representa a figura de Laio, o pai biológico de Édipo, no filme. Min-Son, não é a mãe de fato de Gan-Do, mas sim de San-Gu, um jovem que Gan-Do havia deixado aleijado e sem poder se locomover sem a ajuda de uma cadeira de rodas.
Provavelmente quem levava a renda para casa era San-Gu, e sua invalidez fez com que ele não pudesse alimentar a si e a sua mãe. O fardo de não poder dar o sustento para a sua mãe fez com que o jovem tirasse a sua vida. Por essa perspectiva o filme coloca Min-Son como culpada pela morte do filho, da mesma forma que Édipo é o culpado pela morte de Laio.
Essa teoria pode ser feita baseada nas outras interações com devedores que o protagonista tem, em que em todas o homem é quem mantém a família financeiramente. E após os ataques de Gan-Do todas as famílias afetadas por ele tem severos problemas financeiros.
Min-Son faz com que Gan-Do vá para o local de sua em que ela pretende se matar, com o intuito de fazê-lo sofrer por perder um ente querido, da mesma forma que ela perdeu. Porém o suicídio não ocorre, ao final a mãe se questiona se deve ou não seguir com seu plano. Ela sente piedade de Gan-Do e então o “pietá” do título começa a ser explicado. Enquanto ela está se decidindo uma outra mãe de outro homem que Gan-Do feriu a empurra do alto do prédio e a mata. Dessa forma Édipo se fere, assim como na peça em que ele arranca seus olhos para não ver o que fez. Sua morte remete a outra figura de filho que morre na frente de sua mãe. A imagem Cristo morto nos braços de Maria, a famosa imagem cristã popularmente chamada de pietá.
Por fim Gan-Do descobre o que realmente aconteceu e como havia sido enganado e faz o mesmo que Jocasta faz ao final da tragédia, ele se suicida. E assim as duas principais figuras metafóricas do filme se concluem. Todas as partes mais importantes de Édipo Rei e seus arquétipos estão de alguma forma presentes no filme, da mesma forma que pietá, parte da iconografia cristã.
Pietá é um filme dirigido por Kim Ki-Duk e lançado em 2012.
Escrito por João Cardoso
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