Uma Breve História do Oscar
O Oscar é conhecido por ser uma das premiações do cinema mais opulentas e longevas do cinema moderno. A premiação foi iniciada em 1929, pela “Academy of Motion and Picture Arts and Sciences” (a “Academia”), baseada em Los Angeles, California, fundada em 1927, por 36 donos e grandes nomes do sistema de Estúdios da época.
O foco primário da premiação era melhorar a imagem pública dos estúdios e da indústria do cinema, e promover filmes que trouxessem a discussão sobre a indústria aos olhos do grande público, com novas produções, trazendo tecnologias novas, ou novos nomes para o olhar do público.
A grande função da Academia sempre foi, desde o início, justamente o Oscar: dando visibilidade e atenção às produções que exaltem a própria indústria, a relevância dos estúdios, das grandes estrelas e nomes seriam garantidos enquanto essa premiação fosse popular.
Com o evento sendo largamente financiado pelo próprio sistema de estúdios, não demorou para que se tornasse um evento cheio de glamour e pompa. A publicidade dada à cerimônia em si sempre influenciou diretamente a opinião pública e os retornos financeiros dos filmes, fazendo com que os Oscars sempre fossem uma premiação mais de prestígio do que técnica.
E o Oscar cresceu junto com a indústria cinematográfica: passando do cinema mudo (o primeiro ganhador do prêmio de Melhor Filme é Wings – o próximo seria The Artist, em 2012) para o Noir, para o reino dos Musicais, para os Policiais, para os Road Movies, para os dias de hoje, o sucesso do Oscar está muito ligado ao prestígio da indústria em si: grandes produções fazem campanhas publicitárias gigantescas com o foco em ter seus filmes premiados pela Academia ano após ano.
O Lado Negro do Oscar
Com a história longa de prestígio, longevidade e glamour, o Oscar passou a funcionar quase que exclusivamente como uma vitrine mundial para filmes tidos como “os melhores do ano”, não por seus méritos técnicos, mas por sua popularidade (o chamado star-power) e a vontade de um estúdio em promover um filme.
Foi assim que o sistema de campanhas para o Oscar começou a nascer. Ganhar um Oscar faz com que um filme torne-se muito mais rentável após o seu lançamento: dados de 2015 indicam que filmes indicados a Oscars ganham, em média (em cinemas americanos) $12,7 milhões a mais do que filmes não indicados, sem contar com benefícios de publicidade, carreiras, e ganhos não diretos para produtoras.
Com um retorno tão claro, é fácil ver como os grandes estúdios começam a fazer campanhas para influenciar os membros da Academia para que votem e indiquem seus filmes à premiação.
Em um breve resumo, para que um filme esteja dentro da lista de filmes que podem ser indicados (não, a Academia não indica filmes que “curtiram” durante o ano), é necessário que a companhia de produção envie um OSC (Oficial Screen Credits), comprovando que o filme foi lançado em Los Angeles, tem no mínimo 40 minutos, que foi exibido por pelo menos 7 dias seguidos para o público pagante, e sua premiere foi em um cinema (algumas exceções cabem). Assim, os membros da Academia recebem DVDs especiais de screening (as chamas cópias for your consideration – montadas pelas produtoras, que podem ser diferentes das lançadas para o público) e votam para as indicações e premiações.
E também, existem custos diversos para as produtoras para os filmes que são indicados: consultores de Relações Públicas para atores, diretores, Press Tours, entrevistas, mais marketing, jantares com os membros da Academia, mais sessões, etc.
E também, a Academia é composta por mais de 6.000 membros da indústria cinematográfica: diretores, atores, fotógrafos, críticos, etc., e muitas vezes os próprios membros já admitiram que nem assistem a todos os filmes, fazendo com que as campanhas publicitárias sejam muito importantes para atingirem esse público especificamente. Muitos dos estúdios têm campanhas publicitárias específicas para a cidade de Los Angeles, que é a cidade onde a grande maioria dessas pessoas vive e trabalha (afinal, é onde Hollywood fica), justificando as campanhas milionárias.
Assim, é caro para que um filme seja indicado, e consequentemente, é uma investimento arriscado, já que um dos filmes vence, e os outros caem no esquecimento depois. Isso faz com que muitos filmes menores fiquem longe de premiações assim, seja por não poderem arcar com os grandes custos da premiação, ou com os grandes riscos envolvidos.
O sistema de indicações do Oscar é organizado de uma forma que não somente exclui os pequenos filmes, mas também perpetua os grandes estúdios no poder, sendo que o retorno por grandes investimentos quase sempre é, de uma forma ou outra, garantido.
A Queda
Como já discutido, o poder do Oscar vêm do seu prestígio e da sua influência como percebida pelo público geral. Sem o apoio do público ou da grande mídia, a própria existência e a relevância do Oscar e da Academia fica ameaçada.
Nos últimos quatro anos,(com dados de 2018 – escrevo esse texto antes da cerimônia de 2019) a audiência do Oscar mostrou-se em um declive dramático, chegando ao ponto mais baixo na 90ª cerimônia, em 2018: 24,6 milhões de TVs, uma queda de quase 20% sobre o último ano, o mais baico de TODAS as premiações. Para a ABC (canal que transmite a premiação), esse número é simplesmente inaceitável.
É clara a conclusão que algo está mudando no público: as velhas fórmulas não estão mais surtindo efeito, e uma injeção de criatividade é necessária para que a premiação continue viva e relevante.
Com a chegada da era da informação o público vêm demonstrando um desinteresse pelo velho sistema de estúdios, e uma maior vontade por produções mais originais, que desafiem os velhos paradigmas e tragam novas formas de se ver e fazer cinema.
Algum esforço em mudar a premiação para algo mais próximo do que esse novo público prefere era necessário: um bom exemplo desse esforço criativo foi a categoria de Melhor Filme de 2018 - Call me By Your Name, Darkest Hour, Dunkirk, Get Out, Lady Bird, Phantom Thread, The Post, The Shape of Water, Three Billboards. Temos aqui a introdução de filmes independentes, como Lady Bird, alguns filmes que demonstram que a velha Hollywood ainda não morreu, como The Post, alguns filmes “esperados”, como Dunkirk, os filmes políticos, em Three Bollboards e Darkest Hour.
Mas, mesmo assim, esses esforços se provaram fúteis, tendo o Oscar de 2018 a menor audiência histórica, sendo tido como um fracasso completo pela Academia.
O que nos leva ao que esperamos ver em 2019.
Pantera Negra e o Oscar de 2019
Desde o lançamento de Pantera Negra, muito se falou sobre a relevância cultural do filme. Um super-herói negro, monarca de um país africano, lutando contra as forças opressoras do mundo, com fantasias baseadas em tribos africanas reais. O filme abre discussões sobre representatividade no cinema moderno, a relevância cultural de filmes de super-heróis e a representação da cultura negra em si, com suas origens variadas.
O filme em si não é nenhuma maravilha tecnológica ou artística, as atuações são bem mornas e o roteiro é tão interessante quanto assistir uma árvore crescer. Mas não se discute o impacto cultural e emocional que esse filme pode ter. Essa é uma das grandes armas do cinema: mesmo que um filme não seja bem feito, ele pode ter um impacto social ou cultural positivo.
E também, há de se falar sobre o grande sucesso de público que têm sido os filmes de super-herói nos últimos 10 anos. Com a introdução do MCU (Marvel Cinematic Universe – iniciado oficialmente com Homem de Ferro, em 2008), algumas barreiras foram quebradas e novos limites para os blockbusters foram criados. A Marvel provou que essas grandes produções podem ser extremamente sequenciais e rentáveis, com grandes bliheterias e bom recebimento pela crítica.
Agora, após o fracasso gigantesco do Oscar de 2018, quando a Academia tentou algumas coisas novas e deu de cara com o desinteresse do público, temos um grupo de produtores e cineastas que busca entender o que o público quer ver no Oscar, o que vai trazer mais audiência para uma premiação antiquada e que vêm se mostrando cada vez mais desconexa das vontades do público.
Várias mudanças foram propostas para o Oscar de 2019. Nenhuma delas escapou de ser polêmica e polarizante (algumas foram positivas, como a indicação de Roma para Melhor Filme). Entre essas mudanças, temos a entrega de alguns prêmios durante os comerciais, entre eles, CINEMATOGRAFIA e MONTAGEM. Se essa mudança em si não prova que a Academia quer buscar uma audiência menos “técnica”, e que se importa muito mais com o glamour do Oscar e menos com as qualidades intrínsecas da arte do cinema, só faltava abolir as categorias de uma vez.
Esses foram os ingredientes principais para que Pantera Negra, um filme absolutamente mediano em si (de uma perspectiva técnica) fosse indicado ao Oscar de Melhor filme, sobre filmes como Hereditary, First Reformed, Sorry to Bother You, etc.
Conclusão
O Oscar é uma premiação de prestígio por prestígio. Usualmente são premiados os filmes com melhores campanhas publicitárias e melhores times de marketing, deixando de lado as qualidades positivas da arte do cinema.
No entanto, esse tipo de premiação não pode sobreviver nos tempos modernos. O público cada vez mais conectado e assíduo requer conteúdos diferentes, e a Academia precisa evoluir com os tempos ou ficar para trás.
A indicação de Panera Negra para o Oscar de Melhor Filme é um sintoma de uma premiação moribunda, que luta para se manter relevante, e que, de qualquer forma, só pode ferir qualquer impacto positivo que o filme teve colocando-o no centro de uma discussão sobre a indústria cinematográfica em si.
Escrtito por Fernando Cazelli
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