Analisando "Os Bandidos do Tempo", filme de Terry Gilliam lançado em 1981.
“All the dreams you've ever had and not just the good ones”
Como que eu posso me sentir nostálgico por um filme que eu só descobri com 30 anos de idade?
Os Bandidos do Tempo, de Terry Gilliam conta a história do jovem Kevin, um aficionado por história, que é surpreendido por 6 anões que pulam do seu guarda roupa em uma noite qualquer. Juntos, na posse de um mapa que mostra falhas no espaço-tempo, o grupo vai a diferentes eras históricas atrás de tesouro.
A nostalgia, quando se fala sobre crítica de cinema, acaba sendo um elemento tóxico: o sentimento nostálgico é, talvez, uma das coisas mais pessoais quando se fala da relação obra / espectador, ocorre quando você já sabe cada fala, cada música; o ritmo do filme é algo que está tatuado na nossa mente, é uma parte de nós.
O sentimento nostálgico está intimamente ligado às sensações que alguma obra invoca em nós. É o cheiro do carpete mau lavado do cinema da cidade, a fila para comprar o ingresso, a pipoca de micro-ondas, os amigos, a família.
Ao mesmo tempo, a nostalgia é uma faca de dois gumes. O sentimento é confortável, nos estimula a permanecer em uma época passada, onde os problemas da vida adulta eram meros exercícios de imaginação, coisas dos adultos. E também é um sentimento que é facilmente recriável (vide Stranger Things), uma verdadeira arma nas mãos de Hollywood.
Assisti Os Bandidos do Tempo pela primeira vez nesse ano, em Maio. E desde então, esse filme não saiu da minha cabeça. Lentamente, veio se tornando um dos meus filmes favoritos. Ao rever (completo ou em cenas separadas), a sensação de nostalgia me atinge como um caminhão. As cenas são familiares, os diálogos são fáceis, a trama é boba, mas ao mesmo tempo interessante e acidentalmente profunda.
Me vem o cheiro da pipoca de microondas, uma tarde preguiçosa onde as obrigações são secundárias. Estou no sofá amarelo de casa, totalmente investido nesse filme bizarro, reagindo a tudo como se fosse a primeira vez, ao mesmo tempo em que rio antes das piadas.
Terry Gilliam é um cineasta interessante. Desde suas origens dirigindo os filmes do Monty Python, passando por clássicos sci-fi como 12 Macacos e Brazil, até seus filmes mais atuais, como Don Quixote e O Imaginário do Doutro Parnassus, seu estilo é inconfundível, com o uso pesado de ângulos incomuns, uma paleta de cores que sempre evolui e uma confiança muito produtiva no seu design de produção.
Os Bandidos do Tempo se encontra na filmografia de Gilliam logo antes de Brazil e As Aventuras do Barão Munchausen. Gilliam se refere a essas três obras como “a trilogia da imaginação”, e essa denominação não podia ser mais certeira: a exploração de personagens que se utilizam de sua imaginação para escaparem vidas opressivas é clara nas três obras.
Mas estamos aqui para falar de Os Bandidos do Tempo, então vamos ao assunto.
Os Bandidos do Tempo não é um filme amado pela crítica, ou algum sucesso de público. Estando bem entre os filmes do Monty Python e Brazil, é quase que uma nota de rodapé na filmografia de Gillian: o roteiro é totalmente previsível, o humor pode ser um pouco seco, entre demais problemas técnicos e um orçamento claramente apertado.
Mas mesmo assim, eu não consigo fugir da sensação nostálgica que me atinge quando eu revisito essa obra. Como eu já disse, é um filme novo para mim.
A nostalgia, como sabemos, não é um sentimento racional. Não podemos controlar, ou quantificar exatamente as coisas que nos fazem sentir dessa forma. É uma coisa que a gente tem que sentir para saber.
Então, porque eu já gastei 600 palavras contando essa história?
O cinema é uma forma de arte única. Nós crescemos com filmes, nós nos criamos com filmes, formamos a nossa visão de mundo através dessas obras audiovisuais que tentam mostrar para nós algo além da nossa imaginação.
O poder que o cinema tem de acessar nossa imaginação, transportar-nos para um local diferente e manter-nos lá por 100 minutos (em média) é único. Por algum tempo, tudo é possível, o mundo é diferente, aproveite a jornada, e tenha essa experiência para sempre.
E é esse senso de imaginação, de fascinação que permeia cada minuto de Os Bandidos do Tempo. Uma jornada aos limites da imaginação, através do tempo-espaço, visitando o passado, o presente, o futuro, o bizarro e o mundano.
Eu não sou um grande crítico de cinema, ou um cronista, ou algum escritor famoso. Eu sou um amador que ama cinema; minhas palavras não vão chegar a milhares de pessoas ou até convencer uma pessoa que seja a assistir a essa jornada bizarra. O que eu espero é que existam mais filmes como Os Bandidos do Tempo.
Eu estou fazendo 31 anos amanhã (escrevo dia 19 de Nov. de 2020), tenho um filho programado para nascer em Julho de 2021. Essas coisas me parecem muito mais importantes hoje do que nunca. Eu quero que meu filho (ou filha, não sabemos ainda) consiga criar essas memórias através do cinema, da forma que eu fiz com meu pai, que consiga ser criada num mundo de criatividade e imaginação.
O futuro é incerto para todos nós. O que nos resta é cuidar do presente e preservar o passado.
Escrito por Fernando Cazelli
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