A data? 6 de Dezembro de 2019. Uma sexta-feira. Era uma tarde relativamente ensolarada quando saí do trabalho. Havia passado por uns problemas pessoais e estava meio triste. Caminhando pelas ruas da Vila Mariana, em São Paulo, decido entrar no shopping de sempre, para dar um pião ou quem sabe, ver um filme, o que sempre me animava.
Tinha ouvido falar de Knives Out, em português Entre Facas e Segredos, que tinha a mina do 13 Reasons Why, o James Bond e o Capitão América. Beleza, pensei, vai ser esse mesmo. Peguei o ingresso, zanzei pelo shopping até a hora da sessão e finalmente entrei. Normalmente não leio nada a respeito de um filme antes de vê-lo, sinopse, resenhas, críticas, trailers ou algo do tipo, vou totalmente cru a respeito da obra.
O filme foi passando e eu fui me divertindo, me esquecendo até que estava de baixo astral. Saí da sala com o coração quentinho e um sorriso no rosto, mal sabendo que dali a três meses os cinemas fechariam devido a uma pandemia mundial. Como eu ia imaginar que esta era minha ultima ida a um teatro em movimento? Saí um pouco tarde de lá, o dia já estava escuro. Fui para a estação de metrô e levaria mais ou menos uma hora e meia para eu chegar em casa, ainda mais que o trem estava lotado.
Mas não estava nem aí, resolvi ficar em um cantinho que fosse mais ou menos apropriado, em pé mesmo, e comecei a redigir tudo o que estava na minha mente. Uma curiosidade é que esse filme, depois de Hereditário, fez eu ficar ainda mais fã da Toni Collette e cimentá-la como uma de minhas atrizes favoritas. Por algum motivo, eu esqueci de enviar o texto ao redator, mas ele é mais ou menos assim: Um grupo de detetives investiga a misteriosa morte de um escritor patriarca de uma família excêntrica e competitiva. Será que Harlan Thrombey foi assassinado ou simplesmente cometeu suicídio?
Qualquer coisa além dessa sinopse sucinta seria spoiler, já que o filme é recheado de plot twists. Knives Out ou Entre Facas e Segredos é um filme de suspense/drama/uma pitada de comédia dirigido por Rian Johnson, que também dirigiu Star Wars: Os Últimos Jedi. Em seu roteiro, o diretor resolve fazer uma espécie de homenagem ao estilo de mistério/thriller da literatura da Agatha Christie e consegue isso muito bem, ou como os leigos diriam: “caraca, isso é muito Black Mirror".
A película já inicia em cima do clichê “todos são culpados até que se prove ao contrário", visto que na família há diferentes tipos de pessoas com as mais diversas ambições ou simplesmente ganância exacerbada, aumentando ainda mais a chances do finado escritor ter sido morto pelas mãos de alguém que não foram suas próprias.
Mesmo assim, o filme usa muito bem a ingenuidade da fiel governanta da família, a Martha Cabrera (Ana de Armas), fazendo com que as peças do quebra-cabeças se encaixem com os acasos frutos de sua inocência, ao mesmo tempo que cruza a malandragem do neto mimado da família (Chris Evans) e a esperteza sorrateira e ainda maior do detetive Benoist (Daniel Craig, provavelmente a atuação que mais se destaca no filme), sendo estes três personagens os mais trabalhados ao longo de toda trama, tornando as características dos outros membros da família e consequentes coadjuvantes meros detalhes que, quando não atrapalham a trama, também não significam muito a ela.
A cada reviravolta o roteiro mostra de forma magistral uma situação e que o público está equivocado sobre o quanto sabe dos fatos, no melhor estilo “você ainda não viu nada", enquanto pega na sua mão e brinca com as brechas no roteiro, revelando provas cabais e fatos inimagináveis ou no mínimo reveladores.
Só uma ressalva para o início do primeiro ato do filme, um pouco abrupto e rápido demais, mas logo amenizado pelo perfeito segundo ato e perdendo um pouco o fôlego no terceiro com piadas sem graça, uma vez que o humor sofisticado baseado nas situações e características dos personagens já deixa o filme engraçado e na hora certa.
Indo um pouco além do que foi visto no filme, pode-se sentir uma energia parecida com Roma e Que Horas Ela Volta? no que diz respeito à relação emocional e doce entre patrão e empregado, ao menos no início do filme, ou ao menos da parte do escritor idoso Harlam. Fora que o jeito modesto da moça que trabalha com a família é algo que cativa, passando um ar de confiança e empatia, duas características também latentes no detetive cujo ator de 007 dá vida.
A fotografia te transporta a um livro de mistério, cores mais escuras com focos de luz sendo a exceção nas cenas, o que deixa o filme com um aspecto thriller. A trilha sonora é descente, músicas minimalistas para catalisar o mistério e harmonizar com as cores da tela.
Knives Out é, acima de tudo, um filme muito inteligente, cativante, instigante, irônico, empático e charmosamente engraçado.” Algumas coisas parecem ser feitas pelo destino. Talvez a melhor hora para publicar este texto seja um ano depois de tê-lo escrito, como em um livro de memórias, de como foi a última vez que fiz tal coisa, no caso, ir ao cinema.
Foi divertido porque acho que a vida queria que eu aproveitasse ao máximo enquanto podia. Aquela sensação de satisfação após o filme não se esvaeceu nem mesmo quando peguei um trem lotado. Agora, só depende da pandemia dar uma trégua para os cinemas abrirem de verdade e eu me divertir assim de novo.
O eu de um ano atrás não fazia ideia de que seu texto seria uma viagem a um passado não tão distante e que serviria para lembrar, um ano depois, como me senti, como foi pisar naquele carpete grudento, como o lugar exalava um forte aroma da pipoca na manteiga, como ainda podíamos ver pessoas sem medo de nos contaminar. Toda aquela gente sentada nas cadeiras, aquela tela enorme e em movimento, todos saindo do trabalho com a intenção de apreciar uma nova obra cinematográfica ou pelo menos esfriar a cabeça. Ainda me recordo do êxtase em que a sala se encontrava nos momentos de risada coletiva, bem como na saída da sessão, onde comentavam uns com os outros sobre como o que tinham assistido foi bom, e sem saber que não poderiam fazer isso por um bom tempo.
E você? Qual foi a última vez que pisou em uma sala de cinema antes de todas elas fecharem? Como foi? Reflita...
Escrito por André Germano
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