É fato que os Irmãos Safdie entraram para a história recente do cinema. Mas a pergunta que fica no ar é a seguinte: o que faz seus filmes serem tão admirados? Fotografia precisa? Ótima trilha sonora? Excelentes atuações? Talvez uma mistura desses fatores mais outro elemento-chave, a ansiedade.
Benny e Josh Safdie são irmãos de descendência judeia nascidos e criados em Nova Iorque, o que explica a atmosfera bastante urbana de suas produções. Em 2007 graduaram-se na Universidade de Boston e logo conseguiram realizar o primeiro longa chamado “The Pleasure of Being Robbed”, depois de produzirem vários curtas-metragens desde o começo dos anos 2000. Um ano depois realizam “Daddy Longlegs”, que ganhou o John Cassavetes Award no 26º Independent Spirit Awards.
Em 2014 estreia “Heaven Knows What” através de sua produtora, a Elara Pictures. Passados 3 anos, os Safdie Brothers lançariam “Good Time”, ou “Bom Comportamento”, o qual consideram seu primeiro filme sério, que de cara já traz nomes consagrados como Jennifer Jason Leigh e Robert Pattinson, cuja atuação no filme é considerada uma das melhores de sua carreira. Em 2019, eles lançam “Uncut Gems”, ou “Joias Brutas”, onde conseguem ainda mais aclamação de crítica e público, além de extrair mais excelentes performances, especialmente a de Adam Sandler.
Este par de filmes ganhou a atenção do público cinéfilo mais recente, devido as performances viscerais, trilha sonora baseada em música psicodélica, fotografia poluída, eufórica e muita influência dos thrillers urbanos dos anos 70, repletos de testosterona, ambientes hostis e a sobrevivência do mais forte, como Mean Streets e Taxi Driver de Martin Scorsese, inclusive Uncut Gems ainda contou com a produção do mesmo.
Além disso, o tema das películas transita na espiral de problemas de pessoas desonestas, mostrando que estas nunca dormem tranquilas e que os conflitos só vão aumentando a medida que os personagens tentam resolvê-los. Por exemplo em Bom Comportamento, onde Connie tenta salvar seu irmão da prisão por conta de um problema causado por ele mesmo ou Howard em Joias Brutas, quando seu vício em apostas chega a um nível estratosférico onde ele tem medo de perder e faz acordos que vão dando cada vez mais errado.
Essa é a assinatura mais marcante dos brothers, causar apreensão e ansiedade ao público, fazendo o espectador se perguntar se aquilo que tal personagem faz dará certo ou arrancar os cabelos com as decisões desesperadas deles, no melhor estilo “NÃO FAZ ISSO, CARA!”.
Segundo o Ministério da Saúde, o termo "ansiedade" tem várias definições nos dicionários não técnicos: aflição, angústia, perturbação do espírito causada pela incerteza ou relação com qualquer contexto de perigo. Os transtornos da ansiedade têm sintomas muito mais intensos do que aquela ansiedade normal do dia a dia. Eles aparecem como preocupações, tensões ou medos exagerados, sensação contínua de que um desastre ou algo muito ruim vai acontecer, entre outros.
Ué, mas se os filmes causam tanto desconforto, porque devem ser assistidos, ou ainda, como as pessoas podem gostar? Em primeiro lugar, esse é justamente o objetivo das obras, deixar quem está assistindo incomodado com a situação, imergi-lo na agonia da obra. Em segundo, as pessoas podem gostar justamente por se identificarem, digo, não pelo mau-caratismo dos personagens (quem sabe?), mas por se recordarem de momentos da vida onde fizeram besteira e tiveram que contornar a situação, tomando decisões sob pressão ou mesmo aceitando as consequências e vendo o caos acontecer.
Uma das mais famosas de todos os tempos sobre ansiedade é uma pintura, O Grito, de Edvard Munch, de 1893, a qual retrata uma pessoa, sem gênero definido, em uma profunda agonia existencial. Esta obra choca o mundo até hoje, faz o público se sentir desesperado como se estivesse na pele da pessoa retratada. Os filmes dos manos Safdie foram pelo mesmo caminho. São uma releitura moderna do desespero.
Mas se engana quem pensa que só o espectador fica apreensivo. Todos os personagens dos filmes são afetados de alguma forma. Connie em Bom Comportamento está desesperado para tirar seu irmão da cadeia, já o segundo, pensa se vai ser tirado de lá, já a mãe deles, teme pela vida dos filhos. Em Joias Brutas, isto é elevado a um nível magistral. Temos o arco da família do Howard, que está em frangalhos principalmente pelo vício e ganância do mesmo, que tem um arco próprio, onde seus filhos e esposa não sabem que sua vida corre perigo, ao passo que seus devedores não aguentam mais esperar pelo pagamento do joalheiro.
Justamente por este desespero, os protagonistas querem ter o controle da situação, mas não o tem, não sabem o que fazer e por isso agem de forma impulsiva, tomado as piores decisões e fazendo com que esta bola de neve de conflitos só aumente.
Resumido, quem acompanha a obra, tanto por dentro como por fora, pode esperar que aconteça de tudo e essa imprevisibilidade te faz roer as unhas.
Benny e Josh Safdie fazem filmes difíceis de serem digeridos, não são obras para qualquer um. Não é aquele tipo de filme para ver com a família num domingo a tarde. É arte bruta e visceral. É um retrato da ansiedade na sua forma mais bruta. São longas que mostram que os anti-heróis não assim tão frios como costumam aparentar, as vezes perdem as esperanças, escolhem caminhos equivocados e vão se afundando. Estes erros que geram o desespero são o melhor retrato da humanidade destas personagens.
Escrito por André Germano
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