A história do cinema, para muitos autores, é esquematizada em diferentes movimentos cinematográficos. Cada um com a sua contribuição para o avanço do fazer e do pensar o audiovisual como uma arte que evolui e anda sempre para frente. Porém, um grupo de realizadores Dinamarqueses pensou o contrário, era preciso primitivizar experimentalmente o fazer cinematográfico para enfim salvá-lo da sua “iminente destruição” nos anos 90.
O Dogma 95 é um movimento cinematográfico internacional lançado a partir de um manifesto publicado em 13 de março de 1995 em Copenhague, na Dinamarca. Lars von Trier e Thomas Vinterberg foram os responsáveis por escrever, o manifesto e os “votos” que o acompanharam. De acordo com Vinterberg, o texto foi escrito em 45 minutos. A intenção inicial do documento era resgatar alguns ideais lançados por François Truffaut, em seu ensaio para a revista Cahiers du Cinéma, “Une certaine tendance du cinéma français”, de 1954. Afinal, a essência da Nouvelle Vague, que inspirou o Dogma 95 em vários aspectos, era libertar o cinema de suas amarras por meio de filmes experimentais. O diferencial dos dinamarqueses estava na maneira de buscar essa experimentação.
O movimento foi anunciado por seus dois fundadores em março de 1995, em Paris, na França, durante uma conferência de cinema na qual diversos profissionais do mundo inteiro haviam se reunido para celebrar o primeiro século da sétima arte e contemplar seu futuro incerto, diante da hegemonia dos filmes comerciais, principalmente dos grandes estúdios hollywoodianos. Quando foi chamado para dissertar sobre o tema, Lars von Trier surpreendeu o público do evento com uma verdadeira chuva de panfletos vermelhos, falando sobre o Dogma 95. Em respostas às críticas ao movimento, von Trier e Vinterberg declararam que seu desejo era simplesmente estabelecer um novo extremo. Afinal, em uma indústria baseada em orçamentos multimilionários, os cineastas concluíram que era necessário equilibrar essa dinâmica de alguma forma.
Influenciado por outros movimentos anteriores, como o Neorrealismo, o coletivo Dogma 95 surgiu com o objetivo de “purificar” o fazer cinematográfico. Enquanto os italianos e franceses buscavam uma maior liberdade criativa, os dinamarqueses acreditavam que a única forma de devolver ao cinema sua autenticidade era impor regras rígidas de produção, abrindo mão de recursos caros ou de efeitos especiais, assim como de truques técnicos de câmera ou pós-produção. Os diretores deveriam se concentrar na história e na performance dos atores. O movimento foi considerado um marco mundial na produção cinematográfica de baixo orçamento.
Os cineastas envolvidos acreditavam que uma abordagem livre de artifícios seria capaz de prender o espectador de forma mais profunda, já que o público não seria alienado ou distraído por elementos superficiais, tão comuns em blockbusters. Para fundamentar essa filosofia, Lars von Trier e Thomas Vinterberg criaram dez regras dentro das quais qualquer filme que quisesse fazer parte do movimento deveria se encaixar. O documento, muito claro e específico em suas exigências, era uma forma de estimular os cineastas do grupo a manterem os princípios do Dogma 95 em suas produções.
Leia o “Voto de Castidade” estabelecido pelos diretores:
Eu juro manter as seguintes regras, criadas e confirmadas pelo Dogma 95:
1. As filmagens devem ser feitas em locações, não em estúdios. Objetos e acessórios não devem ser levados para o local (se algum objeto específico é necessário para a história, a locação deve ser escolhida de modo que já contenha tal objeto).
2. O som nunca deve ser produzido separadamente das imagens, ou vice-versa (trilhas musicais não podem ser usadas, a menos que a música esteja tocando no local onde a cena é gravada).
3. O filme deve ser gravado com a câmera na mão. Qualquer movimento ou sensação de imobilidade obtidos manualmente são permitidos.
4. O filme deve ser em cores. Iluminação especial não é aceitável (se há pouca luz, a cena deve ser cortada ou uma única lâmpada pode ser anexada à câmera).
5. Trabalhos ópticos e filtros são proibidos.
6. O filme não deve conter ações superficiais (assassinatos, armas, etc., não podem ser incluídos).
7. Alienações temporais e geográficas não são permitidas (ou seja, o filme deve acontecer aqui e agora).
8. Filmes de gênero não são aceitos.
9. O formato do filme deve ser de 35 mm.
10. O diretor não pode ser creditado.
Além disso, eu juro como diretor me abster de gostos pessoais. Não sou mais um artista. Juro me abster de criar uma “obra”, já que considero o instante mais importante do que o todo. Meu objetivo supremo é obrigar a verdade a sair de meus personagens e locações. Juro fazer isso de todas as formas possíveis e a custo de quaisquer considerações estéticas ou relativas ao bom gosto.
Assim, faço meu VOTO DE CASTIDADE. (Copenhagen, segunda-feira, 13 de março de 1995. Em nome do DOGMA 95. Lars von Trier | Thomas Vinterberg) – * tradução livre
Principais Filmes do movimento:
Dogma # 1 – Festa de família - Thomas Vinterberg (1998)
Uma família se reúne em um dia de verão para comemorar os 70 anos da mãe. Há o marido, os dois filhos, um com a mulher e os dois filhos, o outro com a nova namorada, uma câmara para imortalizar o evento e uma jovem de dezoito anos que parece ter crescido ali. As coisas parecem ser pacíficas e alegres, até a inesperada chegada da irmã mais nova, que havia desaparecido há quatro anos. Ela é saudada como a filha pródiga, mas traz o caos na bagagem.
Dogma # 2 – Os idiotas - Lars Von Trier (1998)
Grupo de amigos decide virar as costas para as regras e hipocrisias da sociedade e formam uma comunidade a parte, dedicada a explorar todos os aspectos da idiotice como valor de vida. Assim, tentam chocar e disseminar o caos ao sair e fingir problemas mentais em público.
Dogma # 6 – Julien Donkey-Boy - Harmony Korine (1999)
Julian é um adolescente com esquizofrenia. Ao mergulhar dentro da sua mente, o filme mostra o dia a dia do jovem e como a família lida com seu comportamento imprevisível e suas manias.
Dogma # 12 – Italiano para Principiantes - Lone Scherfig (2000)
No subúrbio de uma cidade dinamarquesa, um jovem pastor chega para trabalhar na igreja local e é persuadido por um assistente a frequentar aulas de italiano em um curso noturno.
Dogma # 28 – Corações Livres - Susanne Bier (2002)
Cæcilie e Joachim formam um casal prestes a se casar até que sua felicidade é interrompida quando ele é atropelado por Marie e fica tetraplégico.
Escrito por Gabriel Pinheiro
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