Brasília sempre teve uma cultura muito forte da modalidade “drive-in” de cinema. Inaugurado em 25 de agosto de 1973 o Cine Drive-in de Brasília sempre foi um ícone no DF e em todo o país, principalmente com a queda no número de cinemas dessa modalidade no resto do Brasil. Aquele espaço chegou a ser o último cinema drive-in de toda a América Latina, tanto até que virou filme. Produzido em 2014, com direção de Iberê Carvalho e estrelado pelos atores Othon Bastos e Breno Nina, “O Último Cine Drive-in”, conta a história daquele espaço tão querido pelos brasilienses. O filme está atualmente disponível na Netflix.
Um dia enquanto estava escrevendo uma matéria para a revista publicada na minha universidade sobre os impactos da pandemia do novo coronavírus no setor audiovisual, pedi algumas “aspas” para uma pessoa que é muito querida para mim. Meu antigo professor e jornalista, Guilherme Lobão, fez uma citação profética sobre o cenário. “ O exibidor que era considerado extinto é o único que subsiste, os drive-ins. Eis um modelo de exibição que pode se tornar o novo normal da experiência de ir ao cinema, afinal não bastará afugentar o vírus pandêmico, porque a própria relação das pessoas com os ambientes públicos mudará a partir de agora.” Para Lobão, haveria desconfiança e insegurança quando dentro de uma sala de cinema, e este meu querido professor não poderia estar mais certo.
O que se viu foi uma explosão de cinemas drive-ins pelo país e pelo mundo por conta da pandemia da covid-19, estacionamentos viraram aglomerações de carros de toda a cidade com pessoas que ansiavam por algum tipo de experiência cinematográfica em um período tenebroso como o que estamos vivendo. Como o circuito normal de exibição da cadeia está paralisado, muitas das sessões se voltam aos clássicos. Em Brasília mesmo, surgiram mais alguns cinemas drive-ins, além do já consagrado espaço perto do autódromo. E foi em um desses novos cinemas que eu decidi visitar esta semana.
Eu já havia tido a experiência de ir no Cine Drive-In uma única vez quando era criança em 2004, eu tinha apenas cinco anos de idade e não entendi muito bem aquela situação em que me encontrava, tinha ido assistir “Espanta Tubarão” com os meus pais. Então eu não tinha na minha cabeça muito forte a experiência de ir em uma sessão desse tipo. Pois bem, na última quinta feira, pagamos uma entrada e fomos assistir o que foi uma das experiências cinematográficas mais lindas que eu já tive, “Cinema Paradiso” de Giuseppe Tornatore.
Tudo era novo ali para mim, o desconforto engraçado do carro, o som na estação do rádio, a tela imensa, o serviço na janela do carro. De repente eu fui transportado para algum lugar no tempo já muito passado e distante. Me senti encantado por aquela situação, como um apaixonado pela sétima arte, esse tipo de experiência certamente me cativaria, mas não imaginei que tanto. Não pude conter minha animação de estar ali e registrei de toda forma que eu pude. Ver todas aquelas pessoas ali compartilhando aquela experiência comigo foi especialmente tocante. Um casal que estacionou a caminhonete de ré e montou alguns edredons no chão da caçamba para assistir o filme o mais confortável e próximo possível me esquentou o coração.
O ponto que quero chegar é que em um período tão sinistro, onde não sabemos onde nos agarrar e nem onde nos esconder, é impressionante como uma simples sessão de cinema pode nos fazer lavar a alma, esquecer dos problemas, expulsar as mágoas e enfrentar os medos. Aquela sessão que de simples não teve nada foi a minha primeira vez assistindo “Cinema Paradiso”. Ver o deslumbramento de Totó com a arte gravada naquelas películas de celuloide e as exibições projetadas por Alfredo me fez arrepiar todos os pelos do corpo, Eu estava me relacionando com a experiência de Totó, eu estava redescobrindo a minha paixão de uma forma que eu não estou nem um pouco acostumado.
Eu estava me reencontrando com a magia da imagem em movimento e reafirmando ao meu ser a beleza do cinema como uma arte que traz todos para dentro de uma experiência conjunta. Assim como todos riam e choravam dentro da sala do filme, eu e as pessoas à minha volta estávamos fazendo o mesmo. Em um período de pandemia global, ter algo assim, no qual nós podemos nos apegar, nos agarrar e que pode nos oferecer momentos de alegria, alívio, conforto e aconchego, é algo realmente emocionante, ainda que de uma forma às vezes tão esquecida como a da modalidade drive-in. E sobre a minha grande paixão e eterna amante das horas alegres e também as obscuras , o cinema, eu faço das palavras de Totó, as minhas, realmente "Alfredo, é belíssimo".
Escrito por Gabriel Pinheiro
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