Sejamos sinceros, cinéfilo é um bicho chato, não é? Especialmente quando acaba de descobrir o cinema, e digo por experiência própria. Donnie Darko é um filme que veio de encontro a mim quando era ainda mais cru em sétima arte. Eu o empurrava para todo o mundo em meu círculo social e o considerava uma das melhores obras já feitas. Depois de um tempo, voltei a assisti-lo, principalmente porque o mesmo completa vinte anos esse ano! Quer saber se ainda acho o filme do coelho esquisito tudo isso? Vem comigo!
Donald Darko é um adolescente sonâmbulo que segue ordens de seu amigo imaginário, o coelho Frank, que o alerta sobre um iminente apocalipse. Enquanto isso, ele lida com pais preocupados, uma escola chata e uma garota da qual gosta. Sem maiores detalhes da trama, este é o enredo de Donnie Darko, filme de ficção científica, suspense e drama, estreia de Richard Kelly e seu trabalho mais conhecido, produzido quando o mesmo tinha apenas 25 anos. Não teve muito sucesso em 2001, ano de lançamento, mas com o passar do tempo, adquiriu o status de clássico cult, influenciando cineastas posteriores e até hoje sendo lembrado por crítica e fãs por seu universo bem construído, trama instigante, elenco e estética marcantes e excelente trilha sonora, calcada em músicas da época a qual se passa o filme, o fim dos anos 80.
Donnie Darko faz duas décadas de lançamento em 2021 e desde então veio despertando o interesse da comunidade cinéfila, conquistando uma base sólida de fãs, seduzidos por toda mística por trás do filme. Vídeos explicativos, textos em blogs, livros sobre o universo do filme é o que não falta para tentar explicar as possíveis interpretações e segredos escondidos na película. Alguns se recusam a falar muito do filme, alegando que a fandom é repleta de pessoas tóxicas e que se acham superiores a qualquer outro espectador, já que são devotos a um filme “cabeça” e sempre estão forçando sua interpretação aos outros.
Lembro de uma época a qual estava caindo de cabeça no mundo do cinema. Um dia, enquanto navegara na internet atrás de novas obras, vi uma lista sobre filmes mindblowing, numa tradução livre, longa que explode a mente e lá estava a produção de Richard Kelly. Fui correndo assistir e foi amor à primeira vista, se tornara meu novo filme favorito. Saí buzinando para as pessoas sobre como Donnie Darko era inteligente, recomendando para todo mundo. A reação de quem assistia era sempre a mesma: não entendi nada, o que possivelmente era um jeito chique de dizer “achei uma merda”. Para o público causal, esse filme pode se tanto desencorajador como sedutor, pois não está acostumado com os clichês de ficção científica ou linhas narrativas não lineares e está propenso a achar tudo muito complicado.
Quando o vi pela primeira vez, achava uma pena que poucas pessoas conheciam, o que não é bem verdade, já que quando se fala de filmes cult, Donnie Darko é um dos primeiros a vir à mente. Eu havia enaltecido a obra por sua capacidade de explodir a mente e te fazer pensar por horas, pela miscelânea de humor ácido, terror, suspense, crítica social e sci-fi, com uma história bem elaborada e impressionante. Depois de um tempo sem assisti-lo, vi o corte do diretor, que tem detalhes a mais sobre o universo científico, um prato cheio para nerds, brincadeiras com imagens surrealistas e um desenvolvimento maior dos pais do protagonista e do próprio. Apesar de achar essa versão um pouco mais cansativa, posso dizer que ainda concordo com quase tudo o que pensava.
Donnie Darko é um ótimo filme. Claro que com uma bagagem cinéfila um pouco maior, é óbvio perceber que não é absolutamente genial ou original, mas é repleto de detalhes colocados de forma elegantemente bagunçada e linhas do tempo não lineares, mas como é coeso, não é difícil entender o que se passa, principalmente se você assistir mais de uma vez. Além do que, filmes que vieram antes, como obras do David Lynch ou do surrealismo alemão e francês, já haviam feito coisas com toques oníricos e propositalmente distorcidos para fazer o público ter um pouco mais de trabalho para decifrar, sem contar a parte estética, que também pega elementos emprestados dos sci-fi dos anos 70 e 80 a lá Spielberg.
Donnie Darko ganhou uma áurea de filme difícil e complexo que o faz ser tão comentado e pesquisado, mas no fundo não tem muito segredo. Partindo do subtexto principal, algumas coisas ficam claras, como críticas à sociedade americana, ao sistema de ensino e à mídia manipuladora, além de mostrar os desafios de ser um adolescente com introversão e insônia e a dificuldade em lidar com familiares, colegas e autoridades. Sobre a ficção científica, marca registrada e a mais lembrada, principalmente por ter levado a plateia a pesquisar mais sobre buracos negros, espaço-tempo e realidades alternativas, é evidente que o filme trabalha com mais de uma linha do tempo e frequentemente brinca com isso ao decorrer da trama, colocando detalhes de uma realidade na outra e vice-versa e recheando-a com easter eggs aqui e ali.
É errado se guiar por uma fanbase pedante para dizer se o filme é ruim ou não. O brilho de uma obra deve ser pelo que ela é e não porque admiradores que querem parecer legais gostam-na ou pessoas com birra desses fãs fingem gostar menos, se fosse assim, Pulp Fiction seria um péssimo filme, o que não é o caso, e o que não falta são Tarantinetes chiliquentos. Donnie Darko já não me tira o fôlego como há alguns anos, não foi o primeiro e nem será o último longa de ficção científica a brincar com a narrativa, existe esta fórmula em outros, mas também não vou cuspir no prato que comi, já que a história do garoto sonâmbulo foi muito importante para descobrir meu gosto por cinema, pois através desta pude ir mais a fundo em outras obras do mesmo estilo.
Porém, para um diretor tão jovem e estreante, deve-se admitir que Donnie Darko é uma proeza considerável, com um texto bem escrito, ótima direção e montagem. Ainda tenho admiração por este filme que, com certeza, vale a pena ser assistido e merece os parabéns por suas duas décadas de vida. Ano que vem Donnie Darko já vai ser maior de idade em todos os países, dá para acreditar?
Escrito por André Germano
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