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Documentários que fizeram história

A História

Eduardo Coutinho, considerado por muitos o melhor documentarista do Brasil

O gênero dos documentários é um dos mais antigos e bem definidos do cinema. O termo “documentário” foi criado em 1926, mas muito antes disso, uma grande parte dos primeiros filmes criados demonstravam fatos da vida, cenas do dia-a-dia e curiosidades, como por exemplo, Trabalhadores Saindo da Fábrica, ou A Chegada do Trem na Estação La Ciocat.


Alguns dos principais movimentos ocorridos no gênero em seus primeiros anos eram: os filmes científicos – basicamente filmes técnicos, mostrando cirurgias, construções etc.; filmes de viagem – mostrando paisagens ou povos exóticos ou atuações históricas; o “City-Symphony”, uma mistura de arte avant-garde com documentário, que mostrava paisagens urbanas de uma forma artística (Man With a Movie Camera).


O primeiro documentário de sucesso foi o Nanook of the North. Nesse filme, a equipe segue um homem da tribo Inuk, no extremo norte do Canadá. Muitos dos acontecimentos foram montados para o filme, como por exemplo, a caça a uma morsa, que o filme mostra acontecer com o auxílio de um arpão, mas quando na realidade, já se usavam rifles pelos Inuk.

Durante os anos 20/30, as salas de cinema mostravam filmes montados como programas jornalísticos, junto às suas sessões, ou em sessões exclusivas. Essa era a maneira que uma parte grande da população tinha para se informar. Em muitos desses filmes, as cenas que originavam as notícias eram recriadas, ou jornalistas chegavam em batalhas após o fim para poder recriar o que aconteceu.


Durante a Segunda Guerra, o Documentário foi utilizado como ferramenta de distribuição de propaganda. O Partido Nazista ficou conhecido por seus filmes de propaganda, mas outras nações também produziram cinema de propaganda, como a Bélgica, com Borinage, e Las Hurdes, dirigido por Buñuel.


Durante os anos 50, surgiu o movimento do “cinéma-vérité”, que aprimorou a fundação para o documentário moderno: o foco em contar uma história através dos fatos, com pouca interferência e uma clara intenção artística. Alguns diretores escolhiam interferir com seus objetos, alguns só queriam demonstrar os fatos, mas algo que define esse gênero é que não existem entrevistas, apenas filmagens consideradas naturais. Bons exemplos são Harlan County, USA (de Barbara Kopple), e Don’t Look Back (de de D. A. Pennebaker).


Os documentários modernos e seus subgêneros.

Os documentários no cenário moderno são muito interessantes, pois não há uma linha concreta de estilos e “modas” que nascem, crescem e morrem durante um período, como, por exemplo o film noir, ou o Faroeste. É mais uma forma de se contar uma história utilizando-se de fatos, pessoas reais, realizando investigações, ou, em alguns casos, só filmando algo.


Os documentários encontraram seu equilíbrio no cenário do cinema moderno, não mais se acorrentando ao ideal de não-interferência, para chegar em um formato misto, onde alguns filmes manipulam seus objetos (alguns mostram que fazem isso, outros não), outros preferem assumir uma distância quase científica de seus objetos. A necessidade, acima de tudo, é construir uma narrativa coerente, com começo, meio e fim, através da apresentação de alguma face da realidade nem sempre objetiva.


E por esse motivo, é importante distinguir os principais subgêneros de documentários, que serão explicados a partir de alguns de seus filmes mais característicos. Essa lista não pretende esgotar todos os subgêneros de documentários, mas sim, dar alguns exemplos de um gênero tão diverso e talvez argumentar pela sua importância ímpar no cenário do cinema.


O Documentário Histórico (They Shall Not Grow Old)

O Documentário Histórico busca retratar algum evento, personalidade ou sociedade em um contexto histórico, seja através de investigações, documentação histórica ou entrevistas e encenações. Um dos maiores exemplos é They Shall Not Grow Old. De Peter Jackson, o filme busca pintar o retrato do dia-a-dia da Primeira Guerra Mundial, através da restauração de imagens e áudio da época.


A restauração das imagens e a inserção de áudio cria um contexto nunca visto para um acontecimento tão antigo. Através desse trabalho, é possível termos uma ideia clara de quem eram os soldados da primeira guerra, em uma época onde guerras eram expressões de valentia e coragem.


O filme busca retratar o conflito como um todo do ponto de vista dos ingleses, desde a primeira batalha em 1914 até o armistício, assinado em 1918. O filme deixa clara a trajetória de uma Guerra que trouxe a modernidade para a cultura mundial da forma mais violenta possível.


O Documentário Social (Paris is Burning)

Os Documentários Sociais buscam retratar um grupo dentro de uma sociedade, tentando capturar suas interações com o resto do mundo, seus conflitos interiores, crenças, personalidades, ideologias e origens.


Um ótimo exemplo é um filme já coberto aqui no site: Paris is Burning. Uma crônica moderna passada em Nova York nos Anos 80, Paris is Burning conta a história do movimento drag da cidade, com personagens extraordinárias, vidas igualmente sofridas e uma alegria que é difícil de descrever. Ao final do filme, o retrato de como a sociedade tratou essas pessoas faz com que as alegrias mostradas no filme sejam tão mais impactantes.


O retrato desse grupo e suas interações é quase que um trabalho sociológico. Há uma exploração profunda sobre o que motiva essas pessoas, suas nuances, vertentes, vocabulário próprio e as pessoas por trás dos personagens.


O Documentário-Retrato (Gizzly Man)

Com o Documentário-Retrato, o foco é inteiramente em uma pessoa ou um grupo muito reduzido. Com uma visão mais centrada, os documentários procuram explorar com muita profundidade as características de uma pessoa, em um dado momento. Os filmes acabam, por sua natureza, sendo mais psicológicos na sua forma de explorar uma só história, uma pessoa.


Werner Herzog é talvez um dos cineastas mais prolíficos de sua época, e uma grande parte de sua filmografia consiste em ótimos documentários. Desde o bizarro How Much Wood Would a Woodchuck Chuck, que explora o mundo dos narradores de leilão de gado nos EUA, passando pelo magnífico Encounters at the End of the World que mostra o dia a dia das pesquisas na Antártica, Herzog dirigiu alguns dos documentários mais únicos e interessantes.


E uma de suas obras é Grizzly Man, que conta a história de Timonthy Treadwell, um americano que visitava a Reserva de Katmai todos os anos para viver entre os ursos. Em uma de suas aventuras, acabou morto por esses ursos, junto com sua namorada, que o acompanhava.

O retrato trágico desse homem e suas ações é beneficiado pelas milhares de horas de vídeo que o próprio produzia, documentando seu dia a dia com os ursos, seus trabalhos e sua vida em geral. Threadwell se achava o maior amigo dos ursos e, até sua morte, era visto como um homem que lutava pela sobrevivência do Parque e a disseminação de informação sobre os ursos e seus costumes.


O documentário de Herzog busca desconstruir essa imagem, mostrando Threadwell como um homem que nunca se ajustou à sociedade, e que encontrou nos ursos um escape da sua vida entre os humanos. O mito é desconstruído, e podemos ver um homem perturbado, carente e, no final de tudo, extremamente humano.


O Documentário Investigativo (The Emperor’s Naked Army Marches On)

Mais interessado em investigações sobre temas, fatos ou pessoas, o Documentário Investigativo começa com uma premissa, e o espectador acompanha os passos de uma investigação junto com o filme. A diferença do documentário histórico é que há no início algo a ser descoberto, e o processo de descobrir é a narrativa do filme.


Filmado durante um período de 5 anos, The Emperor’s Naked Army Marches On é um documentário que acompanha a investigação de Okuzaki Kenzo, um veterano japonês da Segunda Guerra, que investiga o sumiço de dois soldados em seu batalhão, enquanto lutava na Nova Guiné, descobrindo diversas atrocidades e confrontando os culpados.


A investigação leva o espectador a vivenciar muitas das realidades pouco vistas em mídia sobre a Guerra. Partindo de um ponto de vista único, o documentário deixa claro o impacto das coisas horríveis que soldados precisam fazer para sobreviver, bem como a institucionalização que permite que essas atrocidades ocorram, e que acoberta os envolvidos com segurança.


A investigação e o caráter de Kenzo são implacáveis. A busca pela verdade produz no filme algumas das figuras mais impactantes sobre remorso, culpa, violência e loucura que um filme pode trazer.


O Documentário Policial (The Thin Blue Line)

Uma vertente dos documentários investigativos, o Documentário Policial é, obviamente, focado em histórias de crimes, criminosos, vítimas ou as pessoas encarregadas de investigar, ou agentes da lei em geral.


Do lendário Errol Morris, um dos documentários policiais mais influentes é The Thin Blue Line. Investigando o assassinato de um policial em uma abordagem na estrada, o filme reencena muitos dos fatos, entrevista envolvidos, testemunhas, juízes, promotores, e pinta um retrato muito claro da corrupção da justiça no Texas.


A proposta do filme é demonstrar a inocência do homem culpado pela polícia, julgado culpado e sentenciado a passar a vida na cadeia por um crime que não cometeu. A investigação não deixa de apresentar uma quantidade absurda de detalhes, entrevistas e documentação para argumentar a inocência de seu objeto.


Esse filme praticamente criou a estrutura utilizada atualmente para documentários policiais, matérias jornalísticas, programas de TV e filmes de ficção. E sua influência também vai muito além da mídia: por causa do filme, Randall Adams (o homem acusado) conseguiu uma revisão de seu julgamento e foi inocentado, por causa de provas descobertas para o filme.


O Documentário de Música (Stop Making Sense)

O Documentário de Música (também já discutido aqui no site) busca contextualizar uma banda, artista ou um movimento em geral na história. Seja através da filmagem de uma apresentação, ou filmado durante um período ou apresentando um olhar histórico, o Documentário busca apresentar a arte e seu impacto na sociedade com o filme.


Um bom exemplo é Stop Making Sense, que é filmado durante uma turnê do Talking Heads, e editado para parecer uma apresentação única, o show resultante mostra como a banda tratava a própria música em seus shows, com convidados especiais, bastante uso de objetos e, é claro, a ótima música do Talking Heads. Um grande atrativo é o “showmanship” de David Bryne, que carrega o show de uma maneira interessante, e o cenário, que vai se construindo enquanto o palco vai enchendo de gente a cada música.


Esse filme é importante no sentido de que, mesmo parecendo apenas um show (o que não qualificaria como um documentário por si só), cumpre seu papel em contextualizar a importância da banda, sua criatividade, os fãs e o contexto social de sua música.


O Documentário sobre Cinema (Burden of Dreams)

A produção cinemática é cheia de tropeços, conflitos e bizarrices que nunca chegam à tela. E há uma espécie de documentário que trata das figuras por trás da câmera, em toda sua loucura, megalomania e os sonhos que envolvem a produção de um filme.

E não há nenhum exemplo mais interessante do que Burden of Dreams.


Acompanhando a famosíssima produção de Fitzcarraldo (de Werner Herzog), notável por ser uma das mais difíceis e cheia de problemas, o documentário retrata as ideias de pré-produção, a participação de Mick Jagger no filme, a troca de ator principal, os engasgos de produção e a maluquice na selva que seguiu.


Não há qualquer quantidade de texto que pode esgotar a quantidade de problemas que Burden of Dreams retrata. É algo que precisa ser visto para acreditar. E um dos melhores momentos do filme é uma entrevista com Herzog, que fala sobre a força de seus sonhos, seu propósito como cineasta e sua ambição como ser humano.


O Documentário Poético (As I Was Moving Ahead Occasionally I Saw Brief Glimpses of Beauty)

Completamente desprovido de qualquer forma de estrutura coerente, o documentário poético busca instalar no espectador uma emoção, apresentando um ponto de vista único da realidade. Normalmente são colagens de imagem e som, conectadas com o tema central sem nenhum senso narrativo.


As I Was Moving Ahead (...), do notório Jonas Mekas apresenta uma colagem de filmes pessoais do diretor, filmados em sua casa, mostrando sua família e amigos. É um retrato íntimo, colado sem nenhuma ordem aparente, que dura 4:48, com alguma narração do próprio Mekas.


A definição como “poético” é clara aqui. Através da exibição de momentos íntimos de sua família, Mekas transmite uma mensagem cheia de amor, o retrato de uma vida e das pessoas que nos cercam, que crescem conosco, que compartilham nossos momentos. É uma jornada de emoções sensíveis e únicas, que busca (e consegue) demonstrar algumas verdades sobre nossa existência que nenhuma narrativa consegue.


O Documentário Ensaio (F for Fake)

O ensaio é um filme onde o cineasta busca expor um tema através do formato de seu filme. Aqui, a pessoa do diretor se torna quase que um apresentador, inserindo-se profundamente nas cenas, falando diretamente com o espectador. Pode ser confundido com o documentário investigativo ou de retrato, mas algo que diferencia aqui é que a opinião do criador é clara desde o começo: não há dúvidas desde o início sobre o tema.

Hoje em dia, o formato é muito popular entre criadores de conteúdo na Internet, em sites como o YouTube, onde discutem-se temas como política, cinema, games etc. Orson Welles criou, em 1973, um documentário que explora a vida de dois notórios fraudadores: Elmyr de Hory e Clifford Irving. De Hory fez sua fama vendendo pinturas falsificadas que não podiam ser identificadas, e Irving escreveu uma biografia falsa de Howard Hughes.


Durante o filme, Welles busca, além de apresentar a vida e obra dos dois falsários, estabelecer um condão que une a existência de fraudes e as pessoas que vivem dessas fraudes. Há um certo senso de admiração por essas pessoas, enquanto Welles demonstra também as fraudes em sua própria vida e na arte cinematográfica.


O Mockumentary (Man Bites Dog)

Mais uma comédia do que um documentário em si, o Mockumentary merece pelo menos uma menção. Mockumentaries são comédias que se utilizam da estrutura de um documentário para contar sua história, sempre centrada no tom da comédia. Podem ser filmes em que se cria uma situação real através de personagens fictícios (Borat), ou comédias onde todos são atores, e somente o formato de um documentário permanece.


Man Bites Dog é uma comédia contada através de um documentário, onde a equipe acompanha o dia-a-dia de um matador, Ben, enquanto ele pratica ações cada vez mais inacreditáveis e depravadas. Com o tempo, os próprios cineastas começam a participar ativamente dos atos.


O filme é, além de uma comédia de humor insensível, uma exploração dos limites impostos entre objeto e cineasta. O relacionamento entre Ben e a equipe de jovens cineastas é claramente o foco da história toda, trazendo à tona uma discussão sobre os limites éticos e jornalísticos do cineasta quando em situações parecidas.


Documentários Brasileiros

O Brasil tem um dos maiores documentaristas do mundo, na pessoa de Eduardo Coutinho. Seus filmes buscavam retratar a realidade das pessoas comuns, em obras como Edifício Master (onde entrevista moradores de um complexo de apartamentos gigantesco no RJ), ou Jogo de Cena (entrevistas com histórias reais de mulheres brasileiras – mas algumas são atrizes, e não há como saber quem é ou não é atriz), ou sua obra-prima, Cabra Marcado Para Morrer.


Cabra Marcado Para Morrer é a história de um filme que filmava a vida de um líder camponês assassinado na Paraíba em 1962. As filmagens foram interrompidas por causa da Ditadura e, 20 anos depois, Coutinho retorna para a vila onde filmou e revisita a vida das pessoas afetadas pelo filme, pela Ditadura e pelas dificuldades da vida no campo.


As mensagens transmitidas sobre a dificuldade da vida no sertão do Brasil, a brutalidade da Ditadura e dos Senhores de Engenho deixam marcas em quem quer que assista. O foco de Coutinho é nas pessoas, há muito interesse na poesia interior, no sofrimento, nas infinitas realidades do que esse povo sofreu, e as disparidades que ainda existem.

Mais um documentário que tem um lugar especial no coração do brasileiro é o curto, mas impactante Ilha das Flores. Contando a história de um tomate, o filme documenta sua trajetória, desde o nascimento até seu descarte em um lixão, com uma narração didática e ritmo acelerado.


A história do capitalismo (e de tomates) nunca foi tão bem resumida: é um filme simples, com uma mensagem importante e atemporal.


Escrito por Fernando Cazelli


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