O Conceito de distopia vem de uma perversão da palavra “Utopia”, criada pela obra do filósofo Thomas More, que descrevia uma sociedade perfeita. Assim, a Distopia é uma sociedade onde tudo deu errado em algum ponto.
O Sci-Fi distópico é uma vertente da ficção científica muito presente na literatura, que conta com grandes clássicos como 1984, Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451. Nesse gênero, o mundo é envolto em caos em algum ponto do futuro, e podemos acompanhar através da obra como essa sociedade opera sob as condições “distópicas”.
A grande motivação da ficção científica (e por sua vez, de seus sub-gêneros) é a análise de algum aspecto da vida atual, e como seria a vida se esse aspecto fosse removido, ou levado a algum extremo. Um exemplo: em 1984, a nossa necessidade por segurança leva a sociedade a aceitar um regime que restringe todas as liberdades individuais.
Os bons sci-fis distópicos buscam não apenas apresentar uma sociedade com problemas, mas também, mostram como elas podem influenciar os indivíduos, através do foco em um protagonista único, que normalmente se sente deslocado nessa sociedade.
Com isso, vamos a uma curta lista de 4 distopias retratadas no cinema que valem a pena serem assistidas, seja pelo seu conteúdo filosófico, ou pela forma que retratam suas histórias. A intenção dessa lista não é mostrar os melhores do gênero, mas sim mostrar como as diversas variações que podem ser encontradas, e como um ponto de entrada para quem não conhece muito.
1. A Clockwork Orange - Stanley Kubrick (1971)
Uma das obras mais conhecidas do cineasta Stanley Kubrick, A Clockwork Orange explora a vida de Alexander DeLarge, um sádico adolescende líder de uma gangue de rua que é preso e se voluntaria para um experimento que promete acabar com o desejo criminoso: o Método Ludovico.
Baseado no livro de Anthony Burgess do mesmo nome, o filme explora uma Londres futurista onde o crime, o uso de drogas e a perversão sexual fizeram com que as autoridades perdessem seu apelo perante a juventude. Podemos ver isso nas figuras de autoridade apresentadas no filme: o oficial responsável por Alex parece não dar a mínima para sua reforma, os policiais e guardas da prisão só fazem seu trabalho pela violência que podem causar, os políticos só fazem seu trabalho para se auto promover.
A grande questão apresentada aqui é: seria correto suprimir o desejo criminoso mesmo que isso “matasse” uma parte do indivíduo, a custo de sua vida pessoal?
A Clockwork Orange é um clássico absoluto, e uma das fundações para quem quer começar a descobrir a filmografia de Kubrick: todas as suas cenas são cheias do estilo ímpar do diretor, como planos abertos e simétricos, a música bem incorporada, a violência, as ótimas atuações (tiradas a muito custo do diretor, famoso por repetir cenas mais de 100 vezes).
2. Wall.E - Andrew Stanton (2008)
No futuro distante, um pequeno robô coleta lixo.
Com essa premissa brilhante, Wall-e (para muitos, a melhor animação da Pixar), Wall.E é um pequeno robô com o propósito de coletar lixo no planeta Terra. A chegada de EVE – um novo robô, que veio para a Terra para avaliar se há a possibilidade de vida – muda a rotina de Wall.E. A humanidade abandonou o planeta há 700 anos e agora vive em estações espaciais, que agora são uma espécie de resort.
É mostrando uma humanidade que precisou abandonar o planeta terra por uma necessidade de sobrevivência que Wall.E vem comentar sobre o estado da condição humana nos dias modernos. Ao iniciar o filme mostrando o estado “atual” do planeta como uma pilha gigantesca de lixo, contrastando-o com a vida dos humanos no espaço, cheia de luxos (onde os humanos estão gordos demais porque nem precisam mais andar ou se movimentar), cria-se um contraste que é fácil ver no nosso futuro em algumas centenas de anos.
A que ponto o preço que pagamos pelas nossas conveniências é sustentável? Até onde podemos sacrificar nosso meio-ambiente pelo nosso conforto? Quanto poder devemos às corporações que comandam essas comodidades?
Wall.E é uma das mais belas animações já feitas pela Pixar, com visuais impressionantes até os dias de hoje, e um dos pares de personagens mais expressivos e carismáticos já criados pelo estúdio.
3. Gattaca - Andrew Niccol (1997)
Vincent Freeman (Ethan Hawke) é um homem considerado um “in-válido”, uma pessoa com genes considerados inferiores, nascido sem qualquer tratamento aos seus genes antes de seu nascimento. seu sonho é ser astronauta, mas seu status e uma doença no coração o impedem. Com acesso a um mercado negro de identidades, Vincent assume a identidade de Jerome (Jude Law), um ex atleta que sofreu um acidente e agora está paralizado.
No mundo de Gattaca, a manipulação genética foi aperfeiçoada a um ponto onde os humanos criados com o tratamento genético são uma casta superior da sociedade, criando uma divisão clara, onde um é considerado o humano “válido” pela superioridade (e podem ser atletas, astronautas, músicos, etc.), e o outro “inválido”, por suas qualidades inferiores (e são renegados a serem zeladores, limpadores, etc.).
As implicações desse mundo nos levam a questionar se essa divisão entre os humanos superiores e inferiores é realmente válida e, no mesmosentido, como que nós, em nossa sociedade moderna, valorizamos mais uma “casta” de humanos, quando “pessoas normais” são relegadas ao esquecimento por não serem notáveis?
Durante todo o filme, Andrew Niccol (que dirige e escreve) demonstra que Vincent, mesmo sendo geneticamente “inferior” a Jerome, consegue fazer todas as coisas que são esperadas dele em sua profissão, e mesmo fora do âmbito profissional, Vincent é um humano “superior” por sua pura força de vontade, e não por seus genes (uma qualidade que o próprio nunca pôde controlar).
Assim, nos sobra questionar: as nossas condições como impostas a nós são mais importantes em forjar nosso destino do que as condições que nós mesmos criamos?
4. Children of Men - Alfonso Cuarón (2006)
Em 2027, as mulheres pararam de ter bebês há aproximadamente 18 anos. Nosso personagem principal é Theo Faron, um ex ativista que mora em Londres que é obrigado a escoltar uma mulher grávida até um santuário, por dentro de uma zona de guerra.
Children of Men pinta o retrato de um mundo completamente sem esperança. Quando a humanidade não vê mais futuro em sua existência, a selvageria de sua existência moderna se eleva. Podemos ver isso no filme com a crise de imigração na Inglaterra (vemos imigrantes do mundo todo sendo tratado como judeus na época da Alemanha nazista) e nos diversos grupos terroristas e religiosos que populam esse mundo.
Esse mundo sem esperança é mostrado de uma forma incrível pela direção de Cuarón, seja pelos pequenos detalhes (como manchetes de jornal, chamadas na TV) ou pelo diálogo expositivo, o sofrimento humano nesse mundo sem bebês só é acentuado pela história do filme, que envolve diretamente uma mulher grávida, a nova esperança para um mundo sem esperança.
Ao ver a humanidade sem futuro, e os horrores perpetuados pelos humanos nessa situação, fica para o espectador fazer a seguinte pergunta: o que há para se salvar depois de tudo isso?
Escrito por Fernando Cazelli
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