Conheça o projeto “Replicante” uma curiosa e importante iniciativa de um casal de São Paulo que decidiu: “trazer filmes cults e clássicos de volta ao seu lugar de direito: a sala de cinema, sempre em cópias raras e restauradas. Em parceria com exibidores independentes, querem ampliar a experiência do cinema de repertório no Brasil — com uma programação constante, surpreendente e sempre com a melhor qualidade possível de projeção.” O Site Querido Cinéfilo foi até um evento dos caras e conversou com André Sirangelo, um dos criadores da iniciativa.
André é fã de cinema, trabalha como roteirista atualmente no “Sob Pressão” da rede Globo, participou em “3%” da Netflix. Iniciou o Projeto Replicante com seu marido, o publicitário Fidel, em 2016, inspirados em cinemas de repertório como o Prince Charles, de Londres, e o Castro Theater, em São Francisco. Atualmente, são os dois que trabalham na divulgação, negociação, licenciamento, curadoria e direção do projeto, com o auxílio de amigos e colaboradores, que ingressaram no projeto nesses dois anos de existência.
Confira a conversa na íntegra:
Querido Cinéfilo: Como foi o nascimento do projeto Fronteiras Finais?
André: O Fronteiras Finais é um desdobramento do Replicante, que é esse nosso projeto de trazer clássicos restaurados de volta ao cinema, em parceria com cinemas de rua como a Cinesala e o CineSesc. Com os 50 anos do pouso na Lua chegando, pensamos junto com o CineSesc em uma sessão dupla para o dia exato do aniversário do pouso da Apollo 11. Mas aí começamos a pensar em vários outros filmes sobre exploração espacial que mereciam ser revistos... E vimos que tínhamos uma possível mostra nas mãos. Junto com o pessoal do CineSesc e com a Editora Aleph, chegamos nesse conceito da contagem regressiva em 10 filmes até julho de 2019, e a mostra virou realidade.
QC: Quais foram (e são) os maiores desafios de trazer esses filmes clássicos para uma audiência mais moderna?
A: Eu acho que desde o começo o Replicante partiu de certa ansiedade nossa de querer ver mais sessões de clássicos (de todos os gêneros e épocas, não só de clássicos cabeçudos); e com uma missão de provar que havia espaço e demanda para esse tipo de sessão, inclusive fora dos espaços tradicionais dos "cinemas de arte". O evento começou a encher e a crescer, e vimos que por sorte a gente estava certo: tem uma demanda grande, sim. As pessoas querem reencontrar esses filmes, querem ir ao cinema.
Com o fim das locadoras e com a dificuldade cada vez maior de achar filmes mais antigos em serviços de streaming, passar a ser quase uma obrigação nossa trazer cada vez mais filmes. Espero que apareçam cada vez mais projetos assim. Então no nosso caso a dificuldade é mais técnica, é de caçar sempre as cópias restauradas, de sempre ir atrás dos direitos autorais, de ter o cuidado de ter ideias bem caprichadas de programação e de divulgação. E o público acho que percebe isso e responde com um interesse muito grande, inclusive surpreende muito a gente. Não esperávamos lotar tanto e tão rápido uma sessão de Solaris numa terça-feira, por exemplo.
QC: Quais eram as expectativas para a primeira Fase do Fronteiras Finais?
A: Para a primeira etapa a ideia foi darmos destaque para os 50 anos de "2001: Uma Odisseia no Espaço", e de continuar meio que à sombra desse monolito para trazer filmes que conversam muito bem com o clássico do Kubrick. E que se relacionam muito de perto com essa dúvida de se, conforme nos aventuramos nos Cosmos, será que estamos preparados para reconhecer outras formas de consciência?
QC: Assim, Planeta dos Macacos e Solaris foram opções perfeitas para esse tema. Qual foi o processo de escolha desses filmes?
A: Exato. Queríamos celebrar os 50 anos de 2001 trazendo a nova restauração do filme, lançada no ano passado, então pareceu natural comemorarmos os 50 anos do Planeta dos Macacos também, que foi lançado na mesma semana em 1968. E o Solaris encaixou como uma luva também, não só como uma celebração do filme em si, claro, mas também como uma espécie de símbolo da corrida espacial EUA x URSS dentro da nossa mostra. Afinal não dá para falar de exploração espacial sem falar dos russos.
QC: Ainda dentro do escopo do Fronteiras Finais, o que podemos esperar das próximas fases do projeto?
A: No segundo estágio é onde as coisas começam a ficar (ainda) mais estranhas. Depois da ficção propriamente "científica" desses três primeiros filmes, queremos explorar o retorno a um sci-fi mais poético, quase psicodélico, conforme a gente avança pelas décadas de 70 e 80. E o terceiro e último estágio é a volta para a Terra, de certa forma, e para as origens e perigos do programa espacial propriamente dito.
QC: Agora, falando um pouco mais sobre o Replicante, qual você acha que é o papel de projetos assim na difusão do cinema clássico para um público que nunca pode ver esses filmes no cinema?
A: Essa questão é bem importante porque de fato a gente vive numa espécie de distopia do acesso ao cinema clássico. 10 anos atrás qualquer locadora de bairro tinha MUITO mais filmes que qualquer um dos principais streamings de hoje. Acho que a responsabilidade de colocar esses filmes em circulação vai passar a ser cada vez mais de iniciativas pequenas como o Replicante, outros cineclubes, projetos independentes, cinematecas e projetos de restauro, pq das corporações é que não vai vir. O interesse das grandes distribuidoras, aqui ou lá fora, em restaurar ou exibir filme de catálogo é zero.
Então o que a gente percebeu é que era importante tentar fazer um evento que valorizasse de fato a experiência do cinema, da sala de cinema. Que não fosse em multiplex de shopping, que não exibisse DVD ou cópia pirata. Que aproveitasse de fato essa vantagem da distribuição digital para trazer as cópias restauradas que existem, que estão por aí e que merecem ser vistas. E que fosse regular, não limitasse as sessões dentro de uma mostra que acontece uma vez por ano e depois acabou. Temos sessões todo mês praticamente. Isso é bem importante para dizer para o público que a gente leva a sério, e gosta de fazer e quer continuar fazendo.
QC: No presente, esses projetos se concentram muito em grandes metrópoles, como São Paulo e no Rio de Janeiro. Você vê no futuro uma expansão dessa nova difusão do cinema clássico para outras cidades, ou que grandes redes de cinema entendam a mensagem e tragam mais cinema clássico para as telas mais populares?
A: É verdade. E até tem projetos de exibição de clássicos em grandes redes, que chegam a muitas cidades, e eles são muito importantes. Mas eu confesso que sou um pouco cético em relação a essas iniciativas crescerem por ação de grandes empresas. Já é difícil para as novas produções brasileiras e/ou independentes conseguirem conviver e conseguir espaço junto ao cinema comercial imagina para o cinema clássico? A meu ver vai ter que partir do pequeno exibidor, e de pequenos projetos.
Por sorte lá fora coletivos de programação que se juntam para dar visibilidade a filmes pouco vistos são cada vez mais comuns, com sorte quem sabe a gente consegue chegar lá também?
QC: E com a digitalização do processo todo, há de ser mais fácil de levar esse conteúdo para mais gente aqui no Brasil. Você vê o Replicante expandindo para mais cidades? Ou o surgimento de novos projetos similares?
A: Nós queremos, muito. Tem desafios enormes nisso, o principal talvez seja tempo, já que o Replicante é um projeto paralelo nosso, e tem também o complicador de que as cópias restauradas são super caras de trazer e exibir. Mas queremos. E sobre projetos semelhantes, estamos aqui pra ajudar e dar o caminho das pedras para qualquer um que estiver a fim de fazer, quanto mais, melhor.
E não vou mentir: não é fácil, mas alguém tem que fazer.
Confira algumas fotos do ciclo "Fronteiras Finais" onde o Replicante trouxe à tela do CineSesc filmes inesquecíveis sobre a conquista do espaço.
Escrito e fotografado por Fernando Cazelli.
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